Antropologia Visual e o Cinema Negro na Amazônia em Dossiê da Revista Trama

            

Capa da Revista Trama Interdisciplinar

            Segundo o Prof. Dr. Kabenguele Munanga, um dos grandes especialistas mundiais em questões étnico-raciais, Não existem leis no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos sistemas culturais de todas as sociedades humanas. No entanto, cremos que a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados (citado no Editorial).  

A partir dessa perspectiva, a revista Trama Interdisciplinar, vinculada ao Programa  de  Pós-Graduação  em  Educação,  Arte  e  História  da  Cultura, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, apresenta na primeira edição de 2023 o dossiê “A Função Pedagógica do Cinema Negro”, coordenado pelos Profs. Drs. Celso Luiz Prudente, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), João Clemente de Souza Neto, da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e Aderito Fernandes-Marcos, da Universidade São José, de Macau, na China. O dossiê, lançado em maio, traz uma discussão sobre a emergência e a importância do Cinema Negro, que há décadas demonstra as inquietudes e os questionamentos ligados à situação do povo negro e ao racismo estrutural que perpassa a sociedade brasileira. Para o Cinema Negro, o debate sobre o racismo, por uma perspectiva libertadora, exige uma nova epistemologia, através da construção de uma cultura de aprendizagem ao longo da vida, e uma nova pedagogia social, decolonial, em direção a uma sociedade mais justa e solidária. Tal concepção contribui para a superação do racismo e de todas as formas de discriminação, o que tem sido um dos objetivos de todas as atividades desenvolvidas pelo LEBIOS 

Uma dessas iniciativas se realiza através da produção audiovisual engajada e coparticipativa, trazendo para o PPGA e a Amazônia a perspectiva da Antropologia Visual como instrumento de produção e disseminação de conhecimentos sobre as populações quilombolas e ribeirinhas da região. No dossiê, esta contribuição aparece no artigo “Experiências do Cinema de Guerrilha no Quilombo do América”, de autoria de Francisco Weyl, que é Mestre em Artes, Especialista em Semiótica, professor de audiovisual no Brasil, Portugal e em Cabo Verde, poeta, documentarista, e criador do Festival Internacional de Cinema do Caeté (Ficca) (https://www.ficca.net.br/); Hilton P. Silva, docente dos Programas de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) e em Saúde, Ambiente e Sociedade na Amazônia (PPGSAS) da UFPA, membro do CEAM-UNB e Coordenador do LEBIOS, e Roseti Araújo, que é Presidente da Associação de Remanescentes Quilombolas do América, em Bragança, Pará, Agente Comunitária de Saúde, e ativista social em diversos movimentos étnicos, culturais e de gênero.  

Segundo os organizadores, O foco do dossiê é abordar a função pedagógica do Cinema Negro como ferramenta de afirmação positiva do afrodescendente e do seu protagonismo nas relações cinematográficas... Por essa perspectiva, tendemos a considerar o Cinema Negro como uma filmografia que revela, dialeticamente, como são e como devem ser tratadas as minorias vulneráveis... A função pedagógica do Cinema Negro é resultado de uma aproximação de esforços universitários brasileiros com outras partes do mundo em que encontramos identidade, no âmbito da horizontalidade da lusofonia democrática. Isso implica a identificação de países lusófonos que têm em comum o peso da eurocolonização, razão pela qual são concorrentes da superação do colonialismo em uma perspectiva do compromisso da construção da cultura de paz, que tem como caminho fundamental o inarredável compromisso com o respeito à diversidade” (pg. 13). 

Os autores assim resumem o artigo paraense: A produção e o uso do audiovisual dentro e fora da sala de aula, o cinema social nas comunidades e o percurso de um cinema negro e quilombola na Amazônia Paraense constituem a dialógica deste artigo, que apresenta e debate metodologias audiovisuais, artísticas e pedagógicas nos processos de envolvimento de jovens de uma comunidade negra rural amazônica e que culminaram com a realização dos filmes O quilombo é meu lugar, a minha casa (https://www.youtube.com/watch?v=EZ0Bxs4Fm7s) e A visita do padroeiro (https://youtu.be/7qJF2kbaUDo), resultantes de parceria entre o Festival Internacional de Cinema do Caeté (Ficca) e a Associação de Remanescentes do Quilombo do América (Arquia), localizado no município de Bragança, em 2021. Os filmes foram produzidos em oficinas com os jovens da comunidade e exibidos no âmbito da VI e da VII edições do festival, período que coincidiu com a pandemia de Covid-19, que afetou intensamente as populações quilombolas brasileiras, porém não arrefeceu seu espírito de luta e resistência. Os participantes das oficinas indicam que o chamado “Cinema de Guerrilha, por sua forma de produção e divulgação do audiovisual, tem sido um instrumento importante de empoderamento quilombola e de luta contra o racismo estrutural. A produção audiovisual através do Cinema de Guerrilha, por meio da perspectiva do Cinema Negro, pode ser construída como uma forma inovadora de pesquisa-ação e de transformação social. 

O dossiê traz ainda nove artigos, de várias instituições, abordando de diversas formas a importância do Cinema Negro na luta antirracista, pois, como escreveu Munanga em 2005, “a democracia não poderá ser plenamente cumprida enquanto perdurar a destruição das individualidades históricas e culturais das populações que formaram a matriz plural do povo e da sociedade brasileira. 

 

Trama Interdisciplinar, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 149-162, jan./jun. 2023 

Dossiê A Função Pedagógica do Cinema Negro” 

 

 

Boa leitura!

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