Homenagem do LEBIOS a Antropologia Quilombola

‘Santíssima Trindade’ no altar da casa de Cordolina Souza- Quilombo de Mangueiras. Fonte: Acervo do Projeto MARAJOCULTURARTS – Fotografia de Páscoa Sarmento.


Nossa última postagem do ano é uma homenagem a uma excelente tese defendida este mês no PPGA. O trabalho Resistências Malungas: Agências Sociopolíticas de Mulheres Quilombolas em Salvaterra, Arquipélago do Marajó – Pará é um belo exemplo de tese transdisciplinar em antropologia, envolvendo os diversos campos de nossa disciplina, novas abordagens teórico-metodológicas, um corajoso envolvimento coletivo, resultando em um rigoroso trabalho científico e uma importante contribuição para os estudos sobre as comunidades quilombolas paraenses. Uma verdadeira Antropologia Quilombola.

A autora é Maria Páscoa Sarmento, que se descreve como: Mãe de Miguel e William. Liderança Quilombola do Pará, membra do Coletivo Ubuntu e da Coordenação do Coletivo de Educação da CONAQ, afrofeminista e ativista da Rede Fulanas Negras da Amazônia Brasileira. Mestra da Cultura. Servidora pública há 25 anos e, no presente, ocupo o cargo de Secretária Executiva da Universidade Federal do Pará no Campus de Soure. Também sou Professora e Pesquisadora na área de letras e literatura brasileira e antropologia, com ênfase nas poéticas orais quilombolas, políticas públicas educacionais, educação superior e educação escolar quilombola, afrofeminismo e mulheres quilombolas. Sou graduada em Letras - Língua Portuguesa (2004), Mestra em Planejamento do Desenvolvimento (PPGDSTU-NAEA) (2011) e agora doutora em Antropologia (PPGA-UFPA).

Vale a pena conhecer a trajetória de Páscoa conforme descrita da tese, que se inicia no movimento quilombola há 19 anos, no momento em que a comunidade Barro Alto autorreconheceu-se como remanescente quilombola. Desde então ela atua de diversas maneiras no movimento etnicorracial e etnopolítico, desde as primeiras reuniões para discutir a criação da Associação, elaborando projetos e atuando na defesa do território ancestral. No presente ela é membra da Diretoria da Associação de Remanescentes dos Quilombos de Barro Alto - ARQBA, na Diretoria de Relações Públicas.

No município de Salvaterra juntamente com outras lideranças, Páscoa atua em defesa da titulação dos territórios quilombolas e nas lutas pela implementação da educação escolar quilombola, além de participar de outras atividades, como Os Jogos de Identidade Quilombola de Salvaterra. Ao longo da Pandemia atuou ao lado de malungus e malungas para garantir vacinas e alimentos para a população quilombola. Em termos regionais também tem atuado ao lado dos demais quilombolas do Pará nas lutas em defesa dos direitos socioterritoriais.

Em âmbito nacional, Páscoa ajudou a criar o Coletivo de Educação da CONAQ, em 2019 e, desde então, é uma das coordenadoras deste coletivo, em malungagens com professore(a)s, estudantes, pesquisadore(a)s e lideranças quilombolas. Em 2020 o coletivo recebeu o desafio de elaborar proposta de criação da Escola Nacional de Meninas Quilombolas, projeto contemplado com financiamento do Fundo Malala, a fim de garantir formação política e cidadã para as meninas e meninos atuarem em defesas das pautas relativas aos coletivos étnicos. O primeiro edital foi lançado em 2022 para atender a crianças e professores quilombolas de todo o Brasil.

A agora doutora em Antropologia também está no Coletivo Político Ubuntu desde sua formação em 2019 e, a partir deste lugar de resistência etnopolítica, participou da composição da chapa Coletiva Ubunto, compondo o grupo que concorreu às eleições para Deputad@ Estadual em 2022.

Mesmo com todas essas atividades e responsabilidades e apesar de enfrentar inúmeros desafios pessoais durante a pandemia de Covid-19, Páscoa, que participou das Ações Afirmativas do PPGA, concluiu e defendeu sua tese, que teve como orientadora a Profa. Dra. Rosa E. Acevedo Marin, e como membros da banca o Coordenador do LEBIOS, Prof. Dr. Hilton P. Silva, a Profa. Dra. Katiane Silva, do PPGA, a Profa. Dra. Patrícia M. Portela Nunes, da UEMA, e a Profa, Dra. Raquel Mombelli, da ABA.

 

Resumo da Tese

Novas etnias são uma realidade no Marajó contemporâneo, revelando-se com particular ênfase nas primeiras décadas do século XXI, quando grupos humanos majoritariamente formados por pessoas negras passaram a reivindicar a identidade etnopolítica quilombola neste lugar. Neste trabalho sustentamos a premissa que os aquilombamentos deste século estão imbricados em agências femininas, pois fomos e somos as principais articuladoras de ações no âmbito do movimento quilombola nesta região, desde 1998. Aqui, esforço-me para compreender, através da afrocentricidade e desde a perspectiva antropológica feminista (feminismo afrodiaspórico), as agências sociopolíticas das mulheres em processos de aquilombamentos contemporâneos no município de Salvaterra, na tentativa de localizar o lugar do feminino no campo do político em sociedades étnicas contemporâneas, espaços onde a identidade é um fenômeno eminentemente político e corporificado (corpo-político) e onde as pessoas se apercebem como sujeitas de direitos a partir de confrontações com o Estado, com outras instituições e outros indivíduos. Deste modo, introduzo questões centrais como o deslocamento do ser individualizado para o ser coletivo, próprio à existência e experiência política através de um exercício de escrevivência autoetnográfica que é reflexo de experiências pessoais e coletivas com 21 outras mulheres, co-autoras e agentes da pesquisa, no interior de um movimento étnico situado em um sistema de dominação cujos fundamentos são o racismo, o patriarcado, o machismo, o heterossexismo e o capitalismo. Esta pesquisa filia-se aos Estudos Negros, Estudos Africana ou Africalogia enquanto campo científico que tem por base teórica a Afrocentricidade ou Paradigma Afrocêntrico, um amplo campo de estudos construído pelo trabalho de diversa(o)s intelectuais africanas e africanos situada(o)s em variadas latitudes no globo terrestre e em tempos diversos, desde a África, passando pelas Américas, Caribe até a Europa. Constitui-se como o lugar de enunciação de uma nova maneira de pensar a África e os/as africanos/as no continente e seus descendentes na Diáspora Negra Transatlântica, recentralizando-os/as enquanto agentes da/na História. Esta pesquisa, também, filia-se à teoria crítica feminista e orienta-se desde as proposições teórico-práticas do Feminismo Afrodiaspórico, gestado nos diversos lugares onde mulheres negras e não-brancas situam-se em projetos de subjetivações, insurgências e enunciações frente a sistemas de opressão que interseccionam nossas existências no mundo, com especial enfoque nas interrelações entre gênero, raça/etnia e classe social e localização, vistos não apenas como sistemas hierarquizados de opressão, mas como interseccionalidades que estruturam ‘lugares’ onde as mulheres negras são obrigadas a viver e permanecer. Estas escrevivências autoetnográficas exigiram mergulhar em minhas experiências pessoais enquanto mulher negra quilombola, enquanto quilombola amazônida, enquanto ativista do movimento negro e afrofeminista, mas também implicaram imersão em experiências coletivas compartilhadas com aquelas que são minhas outras manas e manos quilombolas, a fim de buscar compreender nossas agências sociais e políticas nos lugares de pertença. Concluo pela existência de uma agência malunga, significando com isso as maneiras diversas de ação articuladas por nós mulheres quilombolas ao longo de mais de 20 anos de movimento quilombola em Salvaterra, uma agência que é contra colonial, insurgente e desafiadora, mas que se realiza mediada pelos sentidos do Ubunto materializado em solidariedade, partilha, cooperação, enfim permeada por Amor.

 

PARABÉNS PASCOA! PARABÉNS PPGA! PARABÉNS UFPA!

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