Notícias do Norte: Doutoranda da Bioantropologia do PPGA em Estágio Sanduíche no Instituto Max Planck, Jena, Alemanha.

Desde dezembro de 2018 a doutoranda de Bioantropologia Letícia Muller está realizando estágio sanduíche de doutorado na Alemanha. De lá ela escreve:

Tempos duros para a pesquisa e para os pesquisadores brasileiros. Quase todos os dias lemos notícias negativas sobre o cenário da pesquisa e da educação nacional. Mas, enfim, temos que continuar avançando, por isso escrevo brevemente sobre minha experiência no doutorado sanduíche em andamento no Max Planck Institut für Menschheitgeschichte (Max Planck Institute for the Science of Human History), em Jena, na Alemanha, minha perspectiva sobre realizar pesquisa fora do país, e como este processo pode ser enriquecedor para os estudantes, para a pesquisa e para o Brasil.
Quando cheguei na Alemanha eu tinha a ideia de estudar isótopos de carbono e nitrogênio para falar sobre paleodieta de populações pré-contato da Amazônia, no Laboratório de Estudos de Isótopos do Dr. Patrick Roberts. No Max Planck são realizadas palestras semanais onde os estudantes de doutorado e pós-doutorado apresentam o andamento de suas pesquisas, além dos pesquisadores visitantes poderem falar sobre os seus projetos. Com estas palestras, além de termos contato com pesquisas desenvolvidas em diferentes continentes, como Ásia, África e Américas, temos a oportunidade de conhecer outras técnicas e métodos de pesquisa, os problemas que estão sendo investigados (como a origem do pastoralismo na África e na Ásia), bem como material arqueológico de outras regiões. Recentemente tive a oportunidade de manipular uma mandíbula humana de origem africana do início do Holoceno e pude perceber o quanto os dentes são maiores que os dos nossos indígenas pré-contato da Amazônia, por exemplo. Tais palestras inspiraram alterações em minha proposta inicial de trabalho, como a realização de análise isotópica de oxigênio, para a melhor compreensão sobre as interações entre o homem e o ambiente, além das possíveis mudanças ambientais locais e globais. Também acrescentei a análise seriada de isótopos em dentes íntegros, investigando assim um pouco sobre as possíveis mudanças da dieta dos indivíduos durante o período de formação do dente. Ou seja, desde que aqui cheguei, meu horizonte de pesquisas já se ampliou consideravelmente.
Estar no Max Planck me oportunizou conhecer toda a cadeia de técnicas de análise de isótopos, o que é muito diferente de apenas enviar amostras a um laboratório e esperar pelo resultado. Realizei o pré-tratamento das amostras, ciente de como podemos produzir contaminações e como fazer para evitá-las. Pude desenvolver conhecimentos de química, biologia e o próximo passo é aprender programas computacionais de estatísticas e preparação de gráficos analíticos. Posso conversar com pesquisadores especializados, que ajudarão na legitimação da confiabilidade dos resultados obtidos, além de me ensinar as melhores formas de apresentação e interpretação dos dados, o que, por si só, já justificaria a vinda para este estágio sanduíche.
Acrescento ainda que ao presenciar as apresentações e discussões dos trabalhos de outros pesquisadores, tomei conhecimento de técnicas recentes utilizadas na arqueologia, em especial o estudo de proteínas a partir de fragmentos cerâmicos e de ossos. Algo totalmente novo para mim, a análise de proteínas a partir de material arqueológico humano da Amazônia também se apresenta como uma nova possibilidade. Quando selecionei as amostras dentárias para a análise destrutiva, que é a de isótopos estáveis, selecionei dentes com menos informações adicionais, ou seja, na maioria sem patologias. Um, no entanto, apresentava calculo em uma de suas faces e, com isso, poderemos tentar a análise de proteína neste indivíduo. Vamos encontrar vestígios de açaí, castanha do Pará, coco babaçu, mandioca, milho? Esta é uma das informações que esta análise poderá oferecer e que estou bastante curiosa para descobrir.
Cabe ressaltar que, por se tratar de um instituto internacional, com pesquisadores das mais variadas origens, a linguagem é a ferramenta mais poderosa para a integração, tanto com os colegas quanto na sociedade em que se está inserido. Embora localizado na Alemanha, a “língua oficial” do Max Planck é o inglês. Aqueles já fluentes na língua encontrarão maior facilidade, tanto no trabalho quanto para a confraternização diária entre os pares. Para aqueles que ainda estão em processo de aprendizado e desenvolvimento na língua, as coisas são um pouco mais difíceis e vagarosas, mas o instituto oferece aulas gratuitas em suas dependências, tanto de Inglês quanto de Alemão, para ajudar a acelerar esse difícil processo de integração entre pesquisadores e a vida cotidiana fora dos muros da instituição. Jena está localizada na antiga Alemanha Oriental e nem todos dominam o inglês, especialmente os mais velhos, que se comunicam apenas no idioma materno.
Longe de ser um período tranquilo de “férias no exterior” ou “período sabático” durante o doutorado, o estágio sanduíche nos coloca em contato com outras realidades de pesquisas e nos faz questionar sobre a nossa própria produção. Sobretudo, acredito que é um enriquecedor momento de aprendizagem pessoal e profissional. Por exemplo, aprender a realizar análises de isótopos, tratar os dados e interpretar os resultados acrescenta na formação profissional nos campos da arqueologia e bioantropologia brasileira e na construção de conhecimentos locais, como o caso do meu projeto de pesquisa de doutorado; mas, também nos inclui em projetos de escala global, nas discussões sobre o uso das florestas tropicais e sua formação natural e antropogênica desde milhares de anos atrás, e possibilita formar redes de pesquisas que ajudarão a avançar os conhecimentos científicos futuros. Para isso, o financiamento das bolsas sanduíche pela CAPES, como a que me possibilita estar aqui, é fundamental. Tomara que outros doutorandos venham a ter a mesma oportunidade que eu.

Amostrando esmalte dentário para análise do esmalte


Em frente ao Instituto Max Planck, Jena 


Tratamento químico de amostras de esmalte dentário


Tratamento químico de fragmento de osso para extração de colágeno

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