Antropoceno: E se já mudamos para sempre a história geológica da Terra?


22/04/2015 - 08:30


Os cientistas estão a avaliar se o impacto das atividades humanas na Terra é tão grande que deu origem a uma nova época geológica, o Antropoceno. Há várias datas em estudo para o início desta época, como a revolução industrial ou a era nuclear, e têm por base marcas humanas nos estratos geológicos.

Teste nuclear francês no atol de Mururoa em 1971 AFP
Nas décadas após a chegada de Cristóvão Colombo à América, em 1492, morreram dezenas de milhões de pessoas que já lá viviam há milhares de anos, à custa da guerra e das doenças levadas pelos europeus. A tragédia ficou marcada na própria Terra: em 1610, a concentração de dióxido de carbono atingiu um valor mínimo, que ficou registado nas camadas de gelo na Antárctida. 

A relação entre esta mortandade e o dióxido de carbono é simples. Foram abandonados milhões de hectares de terra que eram anteriormente cultivados por aqueles povos. Nesses locais, as florestas voltaram a crescer e retiraram muito dióxido de carbono da atmosfera, o que levou a uma diminuição da concentração deste gás.

Esta é uma das múltiplas memórias sobre a história da humanidade que os geólogos podem encontrar nos gelos e sedimentos mundo fora. A nossa espécie terá cerca de 200.000 anos de existência, um piscar de olhos na vida da Terra com os seus 4500 milhões de anos. E, no entanto, o rastro que fomos deixando é incontornável. Desde o fabrico de utensílios de pedra para a caça, que terá feito desaparecer muitas espécies de grandes mamíferos, passando pelo aparecimento da agricultura e das primeiras cidades, até à revolução industrial e ao lançamento de bombas nucleares, as atividades humanas ficaram registradas nos sedimentos dos últimos milhares de anos.

Por tudo isto, surgiu recentemente a expressão "antropoceno", usada de um modo informal na geologia, arqueologia ou sociologia, para denominar a atual época geológica, dominada pelas atividades humanas, cujas consequências são visíveis nas alterações climáticas, na perda de biodiversidade e no aumento da acidez dos oceanos. Mas o conceito não tem o estatuto oficial da União Internacional das Ciências Geológicas (UICG), a entidade que define as unidades de tempo geológicas. Segundo esta união, a época que estamos agora a viver não é o Antropoceno mas sim o Holoceno, iniciado no final da última era glacial, há cerca de 11.700 anos.
Isso poderá vir a mudar. Para se tornar oficial, o Antropoceno tem, primeiro, de ser bem documentado. Ou seja, os geólogos e outros cientistas têm de encontrar, nas camadas estratigráficas da Terra, as marcas deixadas pelas atividades humanas que representam uma mudança global. Estas marcas terão de estar associadas a uma data.

O ano de 1610 é uma data recentemente proposta por Simon Lewis e Mark Maslin, investigadores do Departamento de Geografia da University College de Londres, no Reino Unido. Num artigo da revista Nature, os dois cientistas defendem ainda o uso de marcas estratigráficas secundárias associadas à data. Há 70 locais, onde os sedimentos lacustres e marinhos mostram, a partir de 1600, a existência de pólenes de milho — uma planta originária das Américas. Esta escolha representa a importância dada pela dupla de cientistas ao movimento súbito e inédito de dezenas de espécies animais e vegetais que atravessaram o oceano Atlântico, levados pelo homem nos dois sentidos, e que mudaram para sempre a biogeografia da Terra. Por outro lado, defendem que é a chegada às Américas que iniciou a globalização.

Nos últimos meses, a discussão sobre o Antropoceno tem sido intensa e outras datas têm sido estudadas: o início da agricultura; a revolução industrial; ou o primeiro teste nuclear, a 16 de Julho de 1945 (a que se seguiram as bombas nas cidades japonesas de Hiroxima e Nagasáqui, e depois testes nucleares). Há, porém, outros cientistas que são críticos da tentativa de tornar esta época oficial, referindo que ainda é muito cedo para aferir verdadeiramente o impacto que o homem está a ter na geologia do planeta, e defendendo que este impacto, qualquer que ele seja, apenas está a começar.

"Se os cientistas aplicarem os mesmos critérios usados para definir as épocas passadas, e os dados indicarem que já entrámos numa época dominada pela intervenção humana, então a comunidade científica deverá considerar muito seriamente a definição formal de uma nova época", diz ao PÚBLICO Simon Lewis, resumindo a questão.

História do planeta

A época do Holoceno está dentro do período Quaternário, iniciado há 2,58 milhões de anos, que por sua vez se inclui na era do Cenozóico, nascida há 66 milhões de anos, quando um meteorito atingiu a Terra, pondo o fim à era dos dinossauros — o Mesozóico. Um dos mais importantes passos da ciência foi esta organização do passado geológico da Terra em unidades associadas a camadas estratigráficas, que nos mostram o imenso histórico do nosso planeta: as primeiras formas de vida, a formação do grande continente Pangeia, as extinções em massa de espécies, a ascensão e a queda dos dinossauros, o aparecimento dos primatas, nós próprios.
Os fósseis de organismos pré-históricos encontrados nos estratos geológicos são muitas vezes aproveitados para representar a transição de um período para o outro, dando-nos pistas de grandes transformações no clima, na vida e na geologia da Terra. Outras vezes é a vida que transforma o planeta, como o surgimento do oxigênio na atmosfera, vindo da fotossíntese feita pelas cianobactérias, há mais de 2000 milhões de anos, que permite que respiremos. Por isso, os humanos não são os primeiros seres vivos capazes de alterar o planeta.

Reportagem disponível em:
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