Livro "Por Terra, Céu e Mar" revela: "Pará teve campo de concentração durante Segunda Guerra Mundial".



Instalações receberam colaboradores do Eixo e 
imigrantes perseguidos pela população

Renato Grandelle
Publicado: O Globo: 8/02/14 - 6h00

Campo de concentração de Tomé-Açu funcionou entre 1943 e 1945
Divulgação/Odete Sato


RIO - Em meio à Segunda Guerra Mundial, uma área policiada enclausura dezenas de famílias estrangeiras. Falar seus idiomas nativos é garantia de punição. Reuniões são proibidas; as correspondências, censuradas. Toques de recolher e racionamento de energia regem o cotidiano de supostos colaboradores dos países inimigos. O endereço deste campo de concentração é a Vila de Tomé-Açú, no Pará.

A história das instalações erguidas no Norte do país para isolar imigrantes do Japão e da Alemanha, países do Eixo que lutaram contra o Brasil, é contada no livro “Por terra, céu & mar: Histórias e memórias da Segunda Guerra Mundial na Amazônia”, lançado recentemente pela editora Paka-Tatu, e em um documentário homônimo.


Pelo menos 480 famílias japonesas, 32 alemãs e algumas poucas italianas foram levadas do Pará e do Amazonas para Tomé-Açu. A viagem de Belém até a vila, que ficava na Ilha de Aracá, era feita de barco a vapor e durava de 15 a 18 horas. Muitos imigrantes desejavam ir para o campo, que funcionou entre 1943 e 1945, para se livrarem da depredação de suas casas e lojas, promovida por brasileiros que se autointitulavam patriotas.

Outras pessoas foram, de fato, consideradas colaboradoras de países inimigos, muitas por venderem equipamentos e combustíveis. Sua detenção ocorria ao mesmo tempo em que a Força Aérea dos EUA instalou uma base aeronaval em Belém, de onde os aliados partiam para Europa, Ásia e África. Segundo o jornal “O Estado do Pará”, a colônia de Tomé-Açu servia como “campo de concentração dos eixistas nocivos à segurança nacional”.

— Passamos por muitos sacrifícios por causa da polícia — lembra o agricultor japonês Hajime Yamada, de 86 anos, que emigrou para o Brasil em 1931 e era vizinho do campo de concentração de Tomé-Açu durante a Segunda Guerra Mundial. — Se três de nós estivéssemos juntos, já vinha alguém para repreender. Minha família foi uma das poucas que não teve alguém detido, porque minha mãe era comunicativa e conseguia se entender com quem nos perseguia.

Imigrantes declararam amor ao Brasil

Apesar das muitas restrições, as instalações da ilha paraense, erguidas em uma área onde funcionava a Companhia Nipônica de Plantação do Brasil, em nada lembravam o cenário de horror dos campos nazistas. No Pará, os imigrantes detidos chamavam a residência geral de “hospedaria”. O oficial responsável por levar-lhes alimentos foi apelidado de “Tenente Felicidade”. E a proibição às reuniões coletivas era temporariamente derrubada para que os imigrantes jogassem futebol.

— Em Belém a repressão era muito maior — recorda. — Os brasileiros queimaram e saquearam as lojas dos japoneses e de pessoas de outros países.

Os moradores da capital paraense com algum parentesco, mesmo que distante, com algum dos países do Eixo, procuravam os meios de comunicação para assegurar sua lealdade às Forças Armadas brasileiras. O jornal “O Estado do Pará”, por exemplo, trouxe uma nota, no início de 1942: “José Olivar, nascido na Itália, mas residente no Brasil desde o ano de 1903 (...) vem declarar por este meio não ter relações algumas com países do ‘Eixo’, e tanto ele como seus filhos estão dispostos a servirem (sic) a pátria brasileira que o declarante acolheu como sua”.

Coautor do livro “Por terra, céu & mar (...)”, o antropólogo Hilton da Silva atribui a revolta da população com os supostos “colaboradores do inimigo” aos problemas de comunicação da época:

— A Região Norte era uma fronteira, um grande vazio demográfico. A informação demorava a chegar e, por isso, ninguém sabia como agir na rua ou quais seriam as reações do governo.

Os moradores de Belém abraçaram os esforços de guerra, como o racionamento de combustíveis, tecidos, metais e, principalmente, de gêneros alimentícios. Pão, carne, sal e açúcar, por exemplo, só poderiam ser comprados com cupons.

— O governo confiscava comida para alimentar as tropas — conta. — Os moradores só podiam ir para as mercearias com uma caderneta. Cada item comprado era marcado. Quando ela era preenchida, o consumidor não poderia mais levar qualquer produto.

A energia elétrica da cidade era desligada à noite, para a realização de treinamentos. Os paraenses também aprenderam táticas de sobrevivência, como ações recomendáveis em caso de ataques aéreos. Houve até campanhas de arrecadação de cigarros para os soldados que lutariam na Itália.

— Muitas pessoas lembram apenas de Rio e São Paulo quando falam sobre os pracinhas — lamenta o antropólogo. — Mas houve uma grande contribuição de soldados da Amazônia (cerca de 600 soldados) e estes ex-combatentes hoje são poucos e ignorados.

Uma nova vida depois do confronto

No fim da guerra, brasileiros e descendentes de países do Eixo tomaram caminhos diferentes. Muitos pracinhas paraenses trocaram a terra natal pelas metrópoles, como Rio e São Paulo, onde aprenderam a trabalhar como mecânicos, metalúrgicos e operadores de máquinas. Os japoneses, por sua vez, procuraram áreas rurais do Brasil, como o Pará, por não terem onde plantar em seu país, arrasado durante o confronto com os EUA.
Yamada, natural de Hiroshima, ouviu pelo rádio a notícia do lançamento de uma bomba atômica sobre sua cidade, no dia 6 de agosto de 1945, onde moravam duas de suas irmãs. Traumatizado com a guerra, o agricultor só foi visitá-las 46 anos depois, em 1991.
— O Japão demorou um bom tempo para se reerguer — explica o agricultor. — Muita gente veio para Tomé-Açu em busca de oportunidades. Nunca mais queremos ver uma guerra.

Fonte:


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