Precisamos Falar Sobre a Saúde da População Negra nas Eleições 2022
Hilton P.
Silva e Celso Ricardo Monteiro
Sessão Ponto de Vista Nexo Políticas Públicas (atualizado 10 mai 2022 às 12h59)
Movimento Negro convida candidaturas a assinar compromisso com a defesa do SUS e implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra
No mês de abril, em alusão ao Dia Mundial da Saúde,
diversas organizações sociais e entidades ligadas ao movimento negro lançaram
dois importantes manifestos conclamando a sociedade brasileira em geral e a
classe política em particular a debater e pautar as questões de saúde da população negra nas eleições nacionais deste
ano. A Carta à Sociedade apresenta a PNSIPN (Política Nacional de Saúde
Integral da População Negra), reitera a necessidade de um amplo compromisso
nacional com a construção do SUS (Sistema Único de Saúde), público, gratuito,
equânime, integral e universal, e a defesa da saúde como um direito humano,
básico e fundamental, ancorado na Carta Magna de 1988. A outra carta conclama a
classe política, os candidatos a todos os cargos em disputa este ano, para
incluir em seus programas a temática da SPN (Saúde da População Negra), como
forma de firmar compromisso explícito com a maioria da população, que se
declara preta e parda no país, e que enfrenta as piores condições
socioeconômicas, agravadas nos últimos anos pela pandemia
da covid-19. Ambas estão abertas a adesões.
Ao longo do processo de redemocratização, os
movimentos sociais têm pressionado o governo brasileiro a criar políticas para
diminuir as desigualdades nas condições de saúde e adoecimento da população negra. Em 2009, foi promulgada a
PNSIPN, com o objetivo de garantir preceitos constitucionais como a promoção do
bem estar de todos os cidadãos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, 1988, art. 3.º, inc. IV).
A PNSIPN, reconhece oficialmente o racismo estrutural e as desigualdades
étnico-raciais como determinantes sociais das condições de saúde prevalentes no
país, e visa promover a equidade através de ações de cuidado, atenção, promoção
à saúde e prevenção de doenças para a população negra. A política tem também o
propósito de combater a discriminação étnico-racial em todos os serviços e
atendimentos oferecidos no SUS. Porém, mais de uma década após ser
oficializada, praticamente nada foi feito para que ela funcione como previsto.
A política nunca foi implementada regularmente nos estados e municípios, e a
maioria dos trabalhadores e gestores do SUS a desconhece e/ou não tem
compromisso com sua implantação. Enquanto isso, a população negra é quem mais
morre precocemente por causas evitáveis, tem menor expectativa e pior qualidade de vida.
Do ponto de vista programático é fundamental
considerar o SUS como política de Estado, garantir à população negra o acesso
aos equipamentos de saúde, a inclusão do tema da SPN nos processos de formação
e educação permanente dos profissionais
Diante da enorme disparidade étnico-racial
prevalente no país, é fundamental que os partidos políticos e seus candidatos e
candidatas aos governos federal, estaduais e ao legislativo, em suas plataformas
e programas de gestão, assumam publicamente o compromisso de lutar contra o
racismo institucional e pelo conjunto das políticas e ações afirmativas. É
urgente que a sociedade brasileira garanta a efetivação do direito humano à
saúde integral, universal e equânime, considerando o impacto da promoção,
prevenção, atenção, tratamento e recuperação de doenças, riscos e agravos
transmissíveis e não-transmissíveis na população negra, conforme as diretrizes
nacionais estabelecidas pela portaria n. 992/2009/MS e o Estatuto da Igualdade
Racial.
Do ponto de vista programático é fundamental
considerar o SUS como política de Estado, garantir à população negra o acesso
aos equipamentos de saúde, a inclusão do tema da SPN nos processos de formação
e educação permanente dos profissionais, a importância da utilização dos
quesitos raça/cor e população tradicional na coleta e
produção de informações epidemiológicas para a definição de prioridades e intervenções
sócio-sanitárias, e a implementação plena da Estratégia Saúde da Família, da
ESF Quilombola, e das equipes multiprofissionais de saúde nos territórios e
regiões mais vulnerabilizadas, onde, não por acaso, a população
negra é a maioria.
É importante ainda reconhecer que o racismo
ambiental e a crise climática se entrecruzam e desafiam diferencialmente a
capacidade de resiliência, de articulação e potenciais de luta por justiça e
acesso à direitos. Atualmente, os povos de comunidades tradicionais e
quilombolas veem seus territórios ameaçados pelas mudanças climáticas e por
empreendimentos que esgotam e contaminam o solo e os rios, promovem
desapropriações, impedem acesso a direitos sociais, como água potável e moradia
digna, inviabilizam estratégias locais de sobrevivência e a constituição de
redes alternativas de solidariedade, como a agricultura familiar.
O direito
de envelhecer com saúde é também uma pauta importante para a população negra. Como as pessoas
pretas e pardas sofrem mais com doenças e agravos evitáveis e tratáveis, a rede
de cuidados deve ter maior capilaridade, principalmente nos bairros e zonas
periféricas e rurais, para promover a inclusão e acesso facilitados aos
serviços, a finalização de diagnósticos e a conclusão de tratamentos. De acordo
com os manifestos, é urgente que a linha de cuidado para a pessoa idosa
considere as particularidades territoriais e étnico-raciais, as demandas de
familiares e de cuidadores de pessoas com dependência funcional, e que o Estado
promova ações de aprendizagem ao longo da vida e trabalho digno, potentes
indutores da saúde física, mental e emocional de pessoas idosas e seus
familiares.
As demandas programáticas aos candidatos(as)
incluem, ainda, a PSR (população em situação de rua), majoritariamente negra,
sem direito à cidade nos espaços urbanos e sem direito à terra nos territórios
rurais. Há escassez de informações sobre a PSR no Brasil e não está prevista
sua inclusão no censo demográfico de 2022 do IBGE. É preciso fortalecer as
redes assistenciais e de saúde, em parceria com as organizações sociais locais,
para o atendimento à PSR, visando o desenvolvimento de ações de reparação
social, acesso à alimentação, moradia e trabalho dignos para a promoção da
cidadania.
Não é mais possível ignorar as disparidades
étnico-raciais no debate eleitoral. É preciso falar sobre os desafios à SPN no
Brasil. Considerando a extrema adversidade do contexto político
e econômico atual, a
grande diversidade e a enorme desigualdade da população brasileira, sobretudo
dos grupos mais vulnerabilizados (indígenas, negros, quilombolas, ribeirinhos,
LGBTQI+, periféricos, dos assentamentos, das águas e das florestas, pessoas com
deficiência ou com doenças crônicas e patologias intratáveis, em situação de
rua, o povo de santo e demais populações em exclusão social), o movimento negro
chama as(os) candidatas(os) a assinar a carta e a inserir em seus programas
eleitorais o compromisso com a defesa do SUS, a implementação da PNSIPN, o
financiamento adequado e suficiente para a saúde pública e para as políticas e
ações afirmativas, a promoção da equidade e da intersetorialidade nas políticas
públicas, a garantia da participação e do controle social democráticos, a
proteção à saúde das mulheres, das trabalhadoras e trabalhadores, bem como a
revogação da Emenda Constitucional 95/2016, afim de construir um país mais
justo, solidário e sustentável para as próximas gerações.
Nos dias 12 e 13 de maio diversas atividades
presenciais e on-line serão realizadas como forma de ocupar as redes para
apresentar e debater a importância da inclusão da saúde da população negra nas
plataformas eleitorais de 2022. A participação de todos e todas é muito
importante.
Hilton P. Silva é médico e bioantropólogo, membro da Coordenação do
GT Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, da Sessão Temática
de Saúde da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) e da Aliança
Pró-Saúde da População Negra.
Celso Ricardo Monteiro pertence a Sociedade Ketú Asé
Igbin de Ouro e coordena a Aliança Pró-Saúde da População Negra.
Acesso em: 10/05/2022
Boa participação!
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