DNA de placa nos dentes revela que Neanderthal usava 'aspirina'
Abscesso dentário
mostra que há 40 mil anos eles já usavam plantas medicinais como antibióticos e
analgésicos; estudo também mostra que Neanderthais da Bélgica comiam
rinocerontes, enquanto os da Espanha eram vegetarianos.
Fábio de Castro
O Estado de S. Paulo
08 Março 2017 | 16h17
Depois de estudar geneticamente a placa bacteriana encontrada nos dentes
de homens de Neanderthal, um grupo de cientistas conseguiu desvendar novos
aspectos sobre a dieta e o comportamento dos mais próximos parentes extintos
dos humanos - incluindo um surpreendente conhecimento sobre plantas
medicinais.
Além de diferenças regionais na dieta
dos Neanderthais, com níveis distintos de consumo de carne, a pesquisa revelou
que alguns deles se medicavam com álamo, uma planta que contém ácido salicílico
- o princípio ativo da aspirina - e com Penicillium, um gênero de fungo
antibiótico.
O novo estudo, publicado nesta quarta-feira, 8, na revista Nature,
foi realizado por uma equipe internacional liderada por cientistas da
Universidade de Adelaide (Austrália) e da Universidade de Liverpool (Reino
Unido).
De acordo com a autora principal do
artigo, Laura Weyrich, estudos anteriores sobre a dieta dos Neanderthais já
indicavam que sua variedade dependia da disponibilidade local de alimentos. Mas
essas pesquisas forneciam poucos dados sobre animais e plantas que eles
consumiam.
"As placas bacterianas dos dentes
confinam os micro-organismos que viviam na boca e nos tratos respiratórios e
gastrointestinais - além de restos de comida presos nos dentes -, preservando
seu DNA por milhares de anos", disse Laura, que é pesquisadora do Centro
Australiano de DNA Antigo (ACAD, na sigla em inglês) da Universidade de
Adelaide.
"A análise genética do DNA pregado
na placa dentária é uma janela única para observarmos o estilo de vida Neanderthal e
nos revela novos detalhes sobre o que eles comiam, qual o estado de saúde deles
e qual o impacto do ambiente em seus comportamentos", afirmou a
pesquisadora.
Vegetarianos e carnívoros. Os cientistas analisaram e compararam
amostras de placas bacterianas dentárias de quatro homens de Neanderthal
encontrados nas cavernas de Spy, na Bélgica e nas cavernas de El Sidrón, na
Espanha. As idades das quatro amostras variam entre 42 mil anos e 50 mil anos.
Segundo os autores, são as mais antigas placas dentárias já analisadas
geneticamente.
"Descobrimos que os Neanderthais
da Bélgica comiam carne de rinoceronte e de ovelhas selvagens, além de
cogumelos. Na Espanha, porém, não há nenhum vestígio de consumo de carne,
apenas de uma dieta totalmente vegetariana, incluindo pinhões, musgo, cogumelos
e cascas de árvore", disse Alan Cooper, também autor do artigo e
pesquisador do ACAD.
Uma das descobertas mais
surpreendentes, segundo os cientistas, ocorreu quando eles identificaram um
homem de Neanderthal de El Sidrón, que sofria de um abscesso dental visível na
mandíbula.
Antibiótico e analgésico. "A análise da placa mostrou que
ele também sofria com um parasita intestinal que causava diarreia aguda.
Claramente ele estava bem doente. Descobrimos que ele comia álamo, que contém o
analgésico ácido salicílico - o ingrediente ativo da aspirina. Também
detectamos o uso de Penicillium - um bolor antibiótico natural -, que não foi
encontrado nos outros espécimes", contou Cooper.
Segundo Cooper, aparentemente os homens
de Neanderthal se automedicavam e possuíam um bom conhecimento sobre plantas
medicinais e sobre suas diversas propriedades analgésicas e anti-inflamatórias.
"O uso de
antibióticos seria muito surpreendente, levando em conta que eles viveram mais
de 40 mil anos antes do desenvolvimento da penicilina. Com certeza nossas
descobertas contrastam muito com a visão simplista que a imaginação popular tem
dos nossos mais antigos parentes", disse Cooper.
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