Faleceu Jane Goodall. A Bioantropologia Está de Luto

Jane Goodall. Foto: reprodução Gizmodo.
Nosso pequeno tributo a uma grande antropóloga.

Faleceu no dia 1º de outubro na Califórnia, onde estava em seu programa anual de viagens científicas Roots and Shoots, a Antropóloga Jane Goodall (1934-2025) que, juntamente com duas outras pioneiras no estudo dos primatas não humanos em seu ambiente natural (Biruté Galdikas e Dian Fossey) revolucionou o campo da Antropologia Biológica, ao revelar que os grandes macacos possuem traços bioculturais que os aproximam dos seres humanos mais do que qualquer outro grupo, antes dos estudos genéticos. Estas incríveis mulheres transformaram as ciências humanas e biológicas, e a compreensão da própria Humanidade. A Britânica Jane foi responsável pela mais longa pesquisa de campo contínua sobre uma comunidade de grandes primatas (https://www.instagram.com/p/DPRtf_Pkh9z/?igsh=MWNrb2duMGZ2bDIycg%3D%3D)

Nascida em um subúrbio de Londres de pais tradicionais britânicos, Jane se interessou pela África na infância, ao ganhar um chimpanzé de pelúcia, que chamou de Jubilee. Em 1957 juntou dinheiro para viajar a uma fazenda no Quênia, realizando assim um sonho de infância. Lá, por insistência de um amigo, conheceu Louis Leakey (1903-1972) e sua esposa Mary (1913-1996), ambos então já renomados paleoantropólogos. Eles estavam interessados em compreender o comportamento dos grandes primatas como potenciais exemplos para os comportamentos de populações de hominídeos pré-históricos que haviam encontrado. Após passar uns tempos trabalhando com a família Leakey na Garganta de Olduvai, Louis propôs a ela estudar os chimpanzés.

Em 1960, com apoio de um financiamento da National Geographic, Jane foi enviada por Leakey, para a Tanzânia. Em uma área isolada do Parque Nacional de Gombe ela montou seu acampamento e, inicialmente sozinha, sem nenhuma formação acadêmica ou experiência prévia em trabalho de campo, iniciou o mais importante e longevo estudo já realizado sobre os nossos parentes mais próximos ainda vivos.   

 Ela dizia que queria conversar com os chimpanzés, como o Dr. Dolittle do conto infantil, e andar entre eles sem medo, como o Tarzan, conseguiu realizar seus sonhos e deixar um imenso legado através da Fundação Jane Goodall (https://janegoodall.org/).

Dian Fossey nasceu em São Francisco, EUA, em 16 de janeiro de 1932 e foi assassinada nas Montanhas de Virunga, em 26 de dezembro de 1985, vítima de caçadores de gorilas. Ela tinha formação em zoologia e passou um tempo treinando com Jane em Gombe. Em 1963, com o apoio de Louis Leakey chegou a Ruanda, para estudar os elusivos gorilas das montanhas que vivam próximos ao vulcão Virunga.  Assim como Jane e Birute, Dian tinha sido inspirada na juventude por leituras naturalistas e conservacionistas, e logo abraçou integralmente a causa dos gorilas, que eram incansavelmente caçados na região para a confecção de objetos decorativos a serem vendidos no exterior. Também como elas, ela conviveu intimamente com seu grupo de estudo, compreendeu sua dinâmica social, familiar e ambiental, seus hábitos de alimentação e reprodução, e forneceu dados inéditos sobre a etologia dos primatas e seu ecossistema. Sua luta pela preservação dos gorilas da montanha e seu habitat levou a um grande aumento das pesquisas sobre essas criaturas e também ao desenvolvimento de legislações locais e internacionais para protege-los, como as que criminalizam o tráfico e o comércio de animais selvagens ou suas partes, e as que garantem a preservação das florestas de Virunga. O legado de Dian Fossey se mantém vivo através da Fundação Digit (The Gorilla Organization) (https://gorillas.org). Em 1988 foi lançado o filme “A Montanha dos Gorilas”, que conta sua trajetória de luta contra a caça e seu assassinato. 

Dian Fossey, Jane Goodall e Birutė Galdikas. Foto: gorillafund.org
A Antropóloga Birutė Mary Galdikas (1946 - ) é a última sobrevivente das três divas da primatologia. Ela é a principal autoridade mundial em Orangutangos e também uma grande ambientalista. Nascida na Alemanha, de pais Lituanos e criada no Canadá. Ela declarou ter sido influenciada pelas aventuras de Goodall e Fossey, que lia nas páginas da National Geographic. Ela foi enviada em 1971 por Leakey para as florestas de Tanjung Puting, na Indonésia, para compreender como era a vida dos Orangutangos em seu ambiente natural, estudar seu comportamento, habitat, dieta e modos de vida, e assim como as outras duas, que formavam as “Trimates”, como ele as chamava (https://charlatan.ca/science-blog-women-in-science-the-trimates-sister-scholars/), lá criou raízes, construiu um novo olhar sobre os “Homens da Floresta” (Orang-Utan, na língua local), um centro de estudos internacionalmente reconhecido e não saiu mais do campo, salvo para dar palestras, seminários, aulas e defender as criaturas que ama e seu meio ambiente. Em 1986, ela e esposo fundaram a Oragutan Foundation International (OFI), baseada em Los Angeles, EUA (https://orangutan.org/).

Desde criança, as três tinham em comum o amor pelos animais, pela natureza, pelas florestas e pelo conhecimento, que mais tarde se desenvolveu em paixão pela ciência, pelo trabalho de campo e pelos primatas e seu habitat. Ao longo de suas carreiras elas escreveram centenas de artigos, livros, deram entrevistas, ganharam prêmios e foram reconhecidas pela defesa do meio ambiente, mas com causas tão importantes a defender, como a vida dos nossos parentes mais próximos, pouco se conheceram pessoalmente. Em 1981 elas se encontraram no histórico evento “Man & Ape: Pathways in the Search for Man” realizado na universidade CalTech, EUA, com patrocínio da Leakey Foundation e moderação de Donald Johanson, para apresentar suas descobertas.

Cartaz do evento “Man & Ape: Pathways in the Search for Man”. Fonte: leakeyfoundation.org
No momento atual, em que o mundo passa por uma crise climática que pode levar a extinção de milhares de espécies, pelo retrocesso nas políticas ambientais em nível global, pelo desmonte de instituições multilaterais de preservação da natureza, pelo descaso com a proteção aos bens comuns da Humanidade e a descrença na ciência, as “Trimates” são um exemplo de como cientistas podem impactar o mundo. Elas certamente serão lembradas pelo LEBIOS na COP-30 como pioneiras na defesa das florestas tropicais, dos animais e das populações tradicionais, que dedicaram sua vida a construir um mundo melhor para todos e todas, humanos e não humanos.

Em 2023 Jane esteve pela primeira vez no Brasil, visitou a Amazônia e depois fez uma palestra UnB sobre a necessidade de proteger as florestas para garantir a sobrevivência dos grandes símios, da qual o Coordenador do LEBIOS, Prof. Dr. Hilton P. Silva participou (https://noticias.unb.br/component/agenda/agenda/4051). Para ele “Assistir a palestra dela foi uma grande inspiração. Jane Goodall representa o que há de mais importante na Antropologia: a preocupação em compreender todos os outros seres, sejam humanos ou não humanos, seus lugares, origens, formas de viver, e como eles contribuem para a nossa história evolutiva comum. Sua morte é uma enorme perda para todos os campos da ciência”.

É emocionante ver a trajetória das três pesquisadores na África e na Ásia, aprender sobre trabalho de campo, sobre antropologia em toda a sua diversidade, e sobre a importância dos grandes primatas para conservação da biodiversidade do planeta no clássico “National Geographic: Search for the Great Apes”, de 1975 (https://www.bing.com/videos/riverview/relatedvideo?q=birute%20galdikas&mid=F2B692D559BAA62B6D2AF2B692D559BAA62B6D2A&ajaxhist=0), e no mais recente “Jane Goodall: An Inside Look”, de 2024  (https://www.bing.com/videos/riverview/relatedvideo?q=jane+goodall%2c+national+geographic&&mid=C270679F1CA04E282B8AC270679F1CA04E282B8A&mcid=972277CED40E4B158F4A5917251A8682&FORM=VCGVRP).

Vídeo: instagram @pastvision.ai

Esta semana todos os primatas choram a morte desta ilustre representante do
Homo sapiens.



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