Bioantropologia discute Políticas Públicas e Saúde Indígena na Amazônia
O Enfraquecimento das Políticas Públicas em Tempos de COVID-19 e a Saúde Indígena na Amazônia
A sociedade brasileira passa por um momento de intensos desafios políticos e epidemiológicos. Em particular, há um desinteresse estatal para com as populações indígenas e grupos tradicionais, que se encontram em situação de violação dos seus direitos diante da Covid-19.
Mesmo antes da pandemia, considerando os diversos contextos de destruição da Floresta Amazônica, queimadas coordenadas por especuladores de terras, poluição de rios com produtos químicos de mineradoras, assassinatos de lideranças indígenas sem solução, ausência de fiscalização por parte dos órgãos ambientais e demissão daqueles que tentam conter a ação de garimpeiros, grileiros e pistoleiros, se desenvolve um cenário que, desde o “Milagre Brasileiro”, na década de 70, vinha mudando na região.
Apenas nos anos de 2017 e 2018 houve um aumento de 124% no desmatamento ilegal dentro de Terras Indígenas.
O desmatamento nas Terras Indígenas (TIs) na Amazônia continua concentrado em poucos territórios, mas acelerou no último ano (ISA/INPE, 2018). |
Devido ao racismo estrutural, a situação de pobreza e precariedade de saúde entre os povos indígenas do Brasil é tão vergonhosa quanto antiga.
Um exemplo claro é a ordem do Governo Federal de “não demarcar 1 cm de terra para indígenas” desde o começo da atual gestão, uma das únicas promessas de campanha até agora integralmente cumprida.
Em particular, na Região Norte, que concentra cerca de 90% das populações originárias, a ausência proposital do Estado se manifesta com o elevado número de mortes e contaminações pela Covid-19 em territórios indígenas.
Até a última semana de julho já se contabilizava cerca de 600 mortes no país, concentradas principalmente no Amazonas e no Pará.
Outro sinal do grave descaso governamental diz respeito à chamada “nova febre do ouro”, que surgiu com o relaxamento das ações de fiscalização e controle por parte dos órgãos competentes para impedir que povos indígenas como os Yanomami e os Yekuana, entre outros, sejam diretamente afetados em suas terras na fronteira com a Venezuela, onde a presença de mais de 20 mil garimpeiros “tornou-se sinônimo de violência, prostituição, doença, desmatamento e poluição”, conforme declarou Dario Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), filho de Davi Kopenawa, um dos mais antigos líderes indígenas do país.
Uma imagem emblemática recente do desconhecimento e descaso com as culturas indígenas na assistência à saúde é a do indígena Yanomami tentando usar a máscara para proteção contra a Covid-19, feita por Joédson Alves, em Roraima.
O Ministério da Saúde (MS), aparentemente, não considera relevantes para o controle da pandemia os modos de vida, adornos, simbologias religiosas, ritos espirituais, mitologias, etnoconhecimento e tradições culturais dos indivíduos e comunidades indígenas, o que tem contribuído para os índices epidemiológicos alarmantes e, até agora, sem medidas adequadas para amenizar o avanço da pandemia, restando apenas ao exército e prefeituras, com iniciativas emergenciais em saúde nos municípios mais afetados, a providência de alguma assistência aos locais mais distantes, conforme as suas possibilidades.
Indígena Yanomami tenta vestir máscara de proteção em Alto Alegre (RR). Imagem: Joédson Alves/EDE. Disponível em: UOL No Estado do Pará, os indígenas tem recebido pouca assistência por parte dos Governos Federal e Estadual, o que contribui para o descontrole da pandemia entre diversas etnias, havendo registro de mortes pela Covid-19 nos Aikewara, Assurini, Borari, Gavião, Kayapó, Tupinambá e Xikrin, sendo que outros seguem ameaçados pelo risco de contágio, pela falta de assistência médica e pela insegurança alimentar. A morte dos mais idosos tem deixado marcas profundas nas diversas etnias pela importância dos anciãos na organização e preservação das línguas, condutas, cosmologias, relações de parentesco e liderança das sociedades indígenas. Recentemente, o cacique Raoni Metuktire, do Parque Indígena do Xingu (MT), entrou em depressão e precisou ser internado após a perda de sua esposa, Bekwykà Metuktire. Ela morreu por infarto após demora em buscar atendimento a tempo por medo da contaminação pela Covid-19 na cidade. Apesar dos esforços dos agentes da FUNAI, o órgão responsável pela política indigenista tem enfrentado dificuldades de cumprir suas atribuições, sendo hoje fortemente influenciado por representantes ruralistas e pentecostais, que iniciaram uma verdadeira “caçada a comunistas e ongueiros” e mesmo a alguns servidores mais antigos; um contexto que confunde ideologia com política e enfraquece, sobremaneira, a atuação local e a respeitabilidade internacional do órgão. A FUNAI tem sido abruptamente descaracterizada no último ano e meio, com uma verdadeira “postura colonial” em relação às populações originárias do Brasil, ocasionando prejuízo a diversas políticas públicas como a demarcação de terras indígenas, o reconhecimento de territórios ancestrais, o apoio à saúde e educação indígenas e demais políticas de inclusão social anteriormente sancionadas, com a defesa, inclusive, de autorização para exploração de garimpos em terras indígenas, postura incompatível com sua função. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), em sua Plataforma de Monitoramento da Situação Indígena na Pandemia do Novo Coronavírus (Covid-19), junto ao Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, no Brasil, o número de indígenas infectados atualmente é cerca de 18.854, que testaram positivo para Covid-19, com 582 mortes e 145 povos atingidos, estatísticas superiores às anunciadas pelos dados oficiais, pois, além de subnotificação e carência de testagem nas aldeias, o MS e a FUNAI não contabilizam como indígenas as mortes e os contágios dos não-aldeados, que vivem nas cidades, o que amplia a subnotificação sobre os indígenas em todo o Brasil, não apenas na Região Amazônica. Como alertam o ISA e diversos indigenistas, um dos grandes problemas do desmonte das políticas públicas e da corrente visão do Governo Federal é não considerar o cidadão indígena como alguém que, ancestral e historicamente, sempre contribuiu para a proteção das florestas, dos rios, da qualidade do ar, do equilíbrio ambiental e dos nossos biomas de forma holística. Os povos que resistiram à colonização, à escravidão, à evangelização forçada, a diversas epidemias, genocídios e à descaracterização cultural ao longo de 520 anos de exploração da Terra Brasilis agora enfrentam uma nova ameaça, a pandemia da Covid-19, sendo mais uma vez, ignorados, espoliados e massacrados em seus direitos pelo Estado Brasileiro. A esses cidadãos tem sido negado inclusive o direito à vida, conforme o Artigo V da Constituição Federal. Os povos indígenas tem se mobilizado e conseguido resistir por seus próprios meios, mas precisam de apoio dos diversos setores da sociedade civil organizada, universidades, pesquisadores/as, ONGs, profissionais de saúde e demais cidadãos e cidadãs, que compreendem que a construção da democracia começa pelo reconhecimento das populações indígenas como fundamentais para a consolidação do presente e do futuro da Amazônia e do Brasil. Matéria completa disponível em: |
Comentários
Postar um comentário