"SOBRE DOR, SOFRIMENTO E ESPERANÇA: O NOVO CORONAVÍRUS E A CONDIÇÃO HUMANA NO ANTROPOCENO"
Palavras iniciais...
Em 18 de março de 2020 a imprensa lusa noticiou por seus meios de comunicação impressos e televisivos o falecimento do presidente do Grupo Espanhol Santander em Portugal. Vítima da covid-19, o senhor António Vieira Monteiro, 73 anos, perdeu a disputa contra o inimigo invisível. Sua filha, após viver o drama de não poder velar o corpo do seu progenitor e fazer a despedida ao modo ocidental, refletiu, dizendo: “Meu pai viveu mergulhado no mundo do dinheiro, era um homem rico e morreu precisando de algo que é gratuito: o ar”, fazendo referência à incessante e desesperadora busca por oxigênio, condição daqueles acometidos com a patologia que mata sufocando, sem dó nem piedade. Penso que não adianta, nesta altura, falar de estatísticas, números, pois tudo nos soa como informação caduca diante da galopante investida do parasita feroz que se alimenta da carne humana, e somente humana. Aliás, fala-se, alhures, que as autoridades sanitárias ao redor do mundo já não dão conta de registrar, com a celeridade que a matéria requer, os casos positivos e óbitos; então, as notificações anunciadas podem não refletir (apostaria nisso) a realidade. Ontem mesmo (dia 1 de abril de 2020), em conversa por WhatsApp com uma amiga equatoriana, estava ela a me relatar a situação aterrorizante pela qual passa seu país diante da pandemia, sob o regime do boçal e neoliberalista Lenin Moreno. Vê-se pelas calles da segunda maior cidade do Equador, Guayaquil, pessoas morrerem à míngua, sem qualquer tipo de assistência frente ao sufocamento do quase inexistente sistema de saúde, demonstrando, assim, os efeitos funestos da política ali implantada. O cenário de dor e sofrimento, do povo equatoriano, está escancarado para quem quiser ver. O Diário Causa Operária, jornal editado no Brasil, em sua edição de quinta-feira, 2 de abril de 2020 - Edição Nº 5.966, trouxe a cruel notícia:
Política neoliberal de Moreno transforma Equador em cemitério gigante - A política do traidor Lenin Moreno está conduzindo o povo equatoriano à morte, com corpos sendo jogados nas ruas das cidades. Não quero estender este prelúdio com mais exemplos dolorosos, porque as páginas não o bastariam, pois todos somos sujeitos cognoscentes dessas vicissitudes, elas próprias tão ligeiras.
Os dias de confinamento, longe da correria cotidiana da cidade grande e adoecida, têm servido para ampliar a capacidade de concentração. Tenho procurado, de modo hercúleo, ouvir os recados dos outros seres sencientes e, ao mesmo tempo, me permitido certa reflexão. A despeito dessa perspectiva, talvez um ponto de vista, digo sobre a escuta aos outros “viventes” que conosco compartilham este imenso mundo, escutei, em janeiro passado, em entrevista dirigida a um mestre de carimbó, na Ilha do Marajó, que precisávamos entender o que as matas, os rios e as estrelas têm a nos falar. Com efeito, pensar sobre as alteridades é um valoroso exercício sobre estar aqui, compartilhando esta casa comum, a Pachamama, onde todos e todas somos feitos do mesmo barro e da mesma lama, como bem profetiza Nanã, e que tudo, absolutamente tudo, no final das contas, nos é concedido a título de empréstimo. Esta filosofia não é coisa vã. E há tantos a viver mergulhados na senda das ilusões, achando que ouro e prata podem comprar o ar. Mera falácia em tempos de coronavírus. A rapariga portuguesa do início desse texto que o diga. Urge nos reconectarmos com a natureza, da qual jamais deveríamos ter nos afastado!
Neste ensaio descrevo reflexões acerca dessa severa crise pela qual o mundo vem
atravessando, partindo da minha visão de pesquisador e pessoa que trabalha com gentes das matas e rios da Amazônia. Um mundo que subitamente se tornou mais global e indiviso perante uma realidade comum: o coronavírus (ele não reconhece as fronteiras inventadas pelos humanos nesta casa comum!). Ando me perguntando: Quais aprendizados podemos tirar dessa preciosa experiência da efemeridade humana? Por que estamos, nós humanos, vivendo essa carnificina? O que fizemos com a nossa ciência, tecnologia, inteligência e, pasmem, essa tão prestigiosa e arrogante racionalidade do sapiens, que nada, nem ninguém, consegue frear, pelo menos por agora, essa unidade biológica que vai deixando nas certidões de óbito o carimbo da causa mortis: covid-19? Seria uma reação da Terra, tão combalida, às agressões protagonizadas pelas mentes e mãos humanas, cuja “sabedoria” transformou a natureza em mercadoria? Pensemos. O tempo vivido não se trata de uma estória de avatar como aquelas das histórias em quadrinhos ou do cinema. Ela é real e acontece agora, no Antropoceno.
Artigo disponível por completo em: http://www.ethnoscientia.com/index.php/revista/article/view/290
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