Liberdade Acadêmica está em Risco no Brasil, firmam Antropólogos.
Associações
nacionais e internacionais de antropologia alertam para criminalização da
pesquisa básica sobre populações tradicionais, indígenas e quilombolas no
Brasil
Associações científicas antropológicas, nacionais e internacionais,
receberam com profunda preocupação e alarme os resultados, divulgados este mês,
dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e Incra
instaurada em 2015 na Câmara dos Deputados, encerrada sem conclusões e reaberta
em 2016, sob a liderança dos deputados ruralistas Alceu Moreira (PMDB/RS), Luiz
Carlos Heinze (PP/RS) e Nilson Leitão (PSDB/MT). Com mais de 3000 páginas, o
relatório final pede o indiciamento de 88 pessoas em cinco estados (Bahia, Mato
Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) entre
indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária, ativistas, procuradores,
políticos, além de antropólogos e outros pesquisadores que atuaram em processos
de reconhecimento de direitos territoriais.
A direção executiva da Associação Americana de Antropologia (AAA) enviou
nesta terça (9/5) uma carta a autoridades brasileiras pedindo
esclarecimentos e expressando “profunda preocupação” com os resultados
apresentados. “Estamos alarmados que a pesquisa antropológica básica no Brasil,
especificamente a pesquisa documentando povos indígenas e quilombolas, seja
vista como ‘criminosa’ pela Comissão”. Em tom diplomático, o documento sugere
haver, no mínimo, “um mal-entendido sobre a natureza da pesquisa antropológica”
e destaca que “a comunidade antropológica brasileira é internacionalmente
respeitada pela sua pesquisa científica e sua defesa dos direitos humanos”. A
associação norte-americana – maior organização de antropologia profissional do
mundo fundada em 1902 – lembra ainda que a “a liberdade, a liberdade acadêmica,
o respeito à diversidade e ao pluralismo, assim como os direitos culturais e o
direito à terra, são valores protegidos pela constituição brasileira”.
A carta da AAA reforça o conteúdo de uma manifestação
semelhante também
enviada a autoridades, dias antes (5/5), pela Salsa (Society for the
Anthropology of Lowland South America) – a maior associação internacional de
especialistas em antropologia das terras baixas sul-americanas do mundo. Para a
Salsa, a decisão da CPI de criminalizar o trabalho que antropólogos e outros
profissionais desenvolvem entre comunidades tradicionais, “só pode ser
interpretada como uma estratégia para intimidar e interromper o trabalho de
profissionais altamente respeitados”. O documento destaca a preocupação da
entidade com a independência acadêmica e a liberdade de pesquisa no Brasil,
além de reiterar a qualidade dos trabalhos desenvolvidos pela comunidade
antropológica brasileira: “estudiosos de todo o mundo são sabedores da alta
qualidade da pesquisa científica produzida pelos antropólogos brasileiros”.
Reforçando o coro, o Diário de Notícias Lusa, de Lisboa, divulgou também
nesta terça (9/5) uma entrevista com a antropóloga portuguesa Suzana de
Matos Viegas, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa,
indiciada por sua atuação nos estudos de identificação e delimitação da Terra
Indígena Tupinambá de Olivença na Bahia, aprovados pela Funai em 2009. Para
Viegas, as acusações não só são falsas, como evidenciam que seus proponentes
estão “contra a existência da lei e não (preocupados) com o rigor da sua
aplicação”. “Eles (CPI) começam a acusar a própria Associação Brasileira de
Antropologia (ABA) de ser uma associação sem fins lucrativos para fins
ideológicos”. Para ela, o relatório final da CPI é “um documento contra os
direitos humanos, contra a legislação que o Brasil adotou desde que é uma nação
democrática, com muitas afirmações racistas, contra a legislação
internacional”.
Imagem: Teseia Panará no TRF em
Brasília, no dia da decisão inédita que deu ganho de causa a uma ação
indenizatória pelos danos pós-contato sofridos por seu povo| Orlando Brito.
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Estas manifestações da comunidade internacional se somam também a uma nota
divulgada em 8/5 nas redes sociais pelo
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ). Além
de prestar solidariedade às dezenas de indiciados – dentre os quais alunos e
ex-alunos do programa – o documento repudia a “tentativa de criminalização da
prática da perícia antropológica” e reitera que “toda a ação dos pesquisadores
e pesquisadoras acusado/as tem se feito à luz da legislação vigente”.
A nota relembra ainda que a “perícia antropológica [é] apenas uma pequena
parte de cunho técnico-científico de processos jurídico-administrativos em que
o amplo direito do contraditório está assegurado”. Argumentam os antropólogos
do Museu Nacional que “as acusações revelam-se inteiramente infundadas e mesmo
fraudulentas” e tem por objetivo “inviabilizar o exercício da atividade de
pesquisa daqueles e daquelas que estão sendo injustamente acusados”.
Na mesma onda de repúdio ao relatório da CPI Funai/Incra, uma petição foi divulgada (9/5) pela Salsa em
conjunto com a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e o Groupe
International de Travail pour les Peoples Autochtones (GITPA). No documento,
“professores, intelectuais e membros do mundo acadêmico” manifestam seu
“repúdio veemente à política anti-indígena do Estado brasileiro” e sua
“preocupação em relação a uma política que já tem consequências genocidas em
estados como o Mato Grosso do Sul, Bahia e Maranhão”.
13 DE MAIO - DIA NACIONAL DE LUTA CONTRA O RACISMO!
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