Hominídeo da África do Sul é muito mais novo do que se pensava
Cientistas se surpreendem com datação de 'Homo
naledi', descoberto em 2013; fósseis têm cerca de 280 mil anos, dez vezes menos
que o estimado com base em seus traços primitivos
Fábio de Castro, O Estado de S.Paulo
09 Maio 2017 | 12h00
SÃO PAULO - Depois de
muita dificuldade, um grupo de cientistas finalmente realizou a datação de
fósseis do Homo naledi, uma espécie extinta do gênero Homo,
linhagem que culminou com o aparecimento dos humanos modernos. O resultado foi
surpreendente: os fósseis têm entre 335 mil e 236 mil anos e, portanto, são
pelo menos 2 milhões de anos mais novos do que indicavam as estimativas
anteriores dos pesquisadores.
Em 2013, os fósseis do Homo
naledi - mais de 1550 fragmentos de 15 indivíduos - foram descobertos
na caverna Rising Star, na África do Sul. Em agosto de 2015, cientistas os
descreveram pela primeira vez.
Obter a datação dos
espécimes era uma tarefa extremamente difícil, mas, por conta de diveras
características primitivas, os pesquisadores acreditavam que eles haviam vivido
há cerca de 2,5 milhões de anos - um período intermediário entre os últimos
Australopithecus e os mais antigos membros do gênero Homo, como o Homo
habilis.
Agora, em um novo estudo
publicado nesta terça-feira, 9, na revista científica eLife, os
pesquisadores finalmente revelaram que os espécimes de Homo naledi descobertos
na caverna viveram há no máximo 335 mil anos atrás.
Segundo os autores, isso
coloca o hominídeo - que pode ter sido extinto bem mais tarde - como provável
contemporâneo do Homo sapiens, que surgiu há cerca de 200 mil
anos.
De acordo com os
pesquisadores, é a primeira vez que se tem evidências de que uma outra espécie
de hominídeo conviveu lado a lado com os humanos na África, onde surgiu o
gênero. O Homo neanderthalensis chegou a conviver com o Homo
sapiens, mas bem mais tarde, na Europa e na Ásia ocidental.
Crânio de Neo, um dos três esqueletos de 'Homo naledi' encontrados na Câmara Lesedi, uma nova galeria descoberta na caverna Rising Star, na África do Sul Foto: Wits University/John Hawks |
Além de descrever a
difícil tarefa de datação dos fósseis, o estudo revela que a caverna Rising
Star é na realidade um sistema de cavernas maior do que se pensava - e que ali
foi descoberta uma nova galeria com mais os fósseis de três novos indivíduos da
espécie Homo naledi - um deles de uma criança.
Um dos fósseis de adultos encontrados na nova câmara da caverna - batizado de Neo - está excepcionalmente completo, de acordo com os autores do estudo, que foram liderados pelo antropólogo John Hawks, da Universidade de Wisconsin-Madison (Estados Unidos) e pelo paleoantropólogo Lee Berger, da Univesidade Witwatersrand (África do Sul).
Um dos fósseis de adultos encontrados na nova câmara da caverna - batizado de Neo - está excepcionalmente completo, de acordo com os autores do estudo, que foram liderados pelo antropólogo John Hawks, da Universidade de Wisconsin-Madison (Estados Unidos) e pelo paleoantropólogo Lee Berger, da Univesidade Witwatersrand (África do Sul).
A nova galeria foi batizada de Câmara Lesedi e fica a cerca de 100
metros da Câmara Dinaledi, onde haviam sido encontrados os fósseis de 15
indivíduos em 2013. O acesso à nova câmara é extremamente difícil: para
escavá-la, os paleontólogos precisaram rastejar, escalar e se espremer em
túneis claustrofóbicos e escuros.
Segundo Hawks, o fato de
ter encontrado mais indivíduos em uma câmara de difícil acesso leva a crer que
o Homo naledi tenha escondido seus mortos - um comportamento
surpreendente que sugere grande inteligência e, possivelmente, indica as
primeiras centelhas de uma cultura.
"Isso provavelmente
dá mais peso à hipótese de que o Homo naledi usava locais
escuros e remotos para esconder seus mortos. As chances de algo semelhante ter
ocorrido mais de uma vez por acaso são mínimas", disse Hawks. De acordo com o estudo,
estima-se que a criança encontrada entre os três novos espécimes de Homo
naledi tenha morrido com menos de cinco anos de idade. Ela é
representada por ossos da cabeça e do corpo. Um dos adultos foi identificado
apenas por uma mandíbula e pelos ossos das pernas.
O esqueleto do terceiro indivíduo, apelidado de Neo
("dádiva", no idioma Sesotho), é notavelmente completo. O crânio foi
totalmente reconstruído, fornecendo um retrato muito mais completo da espécie,
segundo os pesquisadores.
"O esqueleto de Neo
é um dos mais completos descobertos até hoje. Tecnicamente, é mais completo que
a famosa Lucy (fóssil de Australopithecus afarensis, que viveu há 3,1
milhões de anos e foi desenterrada na Etiópia em 1974), considerando a
preservação do crânio e da mandíbula", disse Berger.
O crânio do novo esqueleto contém a maior parte da face, incluindo
os delicados ossos da região interna dos olhos e do nariz, segundo Hawks, que é
especialista em hominídeos primitivos.
"Alguns dos novos
ossos adicionam detalhes novos em relação a tudo o que já vimos antes. O
esqueleto de Neo tem uma clavícula completa e um fêmur quase completo. Isso
ajuda a confirmar o que sabíamos sobre o tamanho e a estatura do Homo
naledi: que ele caminhava de forma tão eficiente como subia em árvores. As
vértebras estão maravilhosamente preservadas e são singulares - elas têm um
formato que só havíamos encontrado em Neanderthais", explicou Hawks.
Combinados, os
esqueletos do Homo naledi dão à ciência o registro mais
completo até hoje de uma espécie de hominídeo, excetuando-se o Homo
sapiens e o Homo neanderthalensis.
"Com os novos
fósseis da Câmara Lesedi, agora temos cerca de 2 mil fragmentos do Homo
naledi, representando os esqueletos de pelo menos 18 indivíduos, no total.
Há mais espécimes de Homo naledi do que de qualquer outra
espécie extinta de hominídeos, exceto os Neanderthais", afirmou Hawks.
A ideia de que o Homo
naledi escondia os cadáveres de seus mortos em câmaras subterrâneas de
difícil acesso só tem paralelo entre os Neanderthais, segundo o cientista. Em
uma caverna profunda da Espanha, conhecida como Sima de los Huesos, há
evidências de que, há 400 mil anos, os Neanderthais escondiam os corpos de seus
companheiros mortos.
"O que há de mais
provocativo em relação ao Homo naledi é que os cérebros dessas
criaturas tinham um terço do tamanho dos nossos. Eles claramente não são
humanos, embora pareçam compartilhar um aspecto muito profundo do nosso
comportamento, que é um cuidado com outros indivíduos, que continua a após a
morte deles. Parece-me que estamos começando a ver as raízes mais profundas das
práticas culturais humanas", afirmou Hawks.
Acesso complicado.
Membro da equipe que descobriu os primeiros fósseis do Homo naledi na
caverna Rising Star, a paleoantropóloga canadanse Marina Elliott, da
Univesidade Witwatersrand fez parte também da equipe de exploradores que
descobriu a Câmara Lesedi.
"Acessar a Câmara Lesedi é ainda ligeiramente mais fácil que
chegar à Câmara Dinaledi. Depois de se espremer por uma passagem de cerca de 25
centímetros, você tem que subir e descer por passagens verticais antes de
chegar à câmara. Embora o acesso seja um pouco mais fácil, trabalhar na Câmara
Lesedi é mais difícil, por causa dos apertados espaços ali dentro", contou
Marina.
Para Hawks, dizer que entrar na Câmara Lesedi é "um pouco
mais fácil" que penetrar na Câmara Dinaledi é algo muito relativo. Segundo
ele, Lee Berger ficou preso na Câmara Lesedi em 2014 e precisou ser puxado para
fora com cordas atadas a seus pulsos.
"Eu nunca entrei em nenhuma das duas câmaras - e nem vou
entrar. Eu assisti quando Lee ficou entalado na passagem por quase uma hora,
tentando sair de um estreito gargalo subterrâneo na Câmara Lesedi", contou
Hawks.
Reconstrução de hominídeos (OBS: Na page existem 15 hominídeos no total, link abaixo)
|
Datação difícil. Além da
dificuldade para trabalhar nas cavernas, os cientistas tiveram que superar
grandes desafios para fazer a datação dos espécimes ali encontrados. A equipe
utilizou uma combinação de técnicas de datação por luminescência opticamente
estimulada com Urânio e Tório, com técnicas de análise paleomagnética para
estabelecer como os sedimentos se relacionam à escala temporal geológica na
Câmara Dinaledi.
Para conseguir uma
avaliação final, eles realizaram a datação direta dos dentes do Homo
naledi, utilizando uma combinação de datação por séries radioativas de
urânio (U-series) e datação por ressonância de spin eletrônico (ESR).
"É claro que ficamos surpresos com uma datação tão recente, mas nós percebemos que todas as formações geológicas na câmara eram novas. Os resultados de U-series e de ESR acabaram sendo menos surpreendentes no fim do trabalho", contou Eric Roberts, da Universidade James Cook (Austrália) e da Universidade Witwatersrand, um dos poucos geólogos que já entraram na Câmara Dinaledi - a rampa de entrada tem uma passagem de apenas 18 centímetros de largura.
Reportagem do link: http://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,hominideo-da-africa-do-sul-e-muito-mais-novo-do-que-se-pensava,70001769457
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