Cultura, uma força da Evolução Humana!
Mudanças de comportamento
ativam genes destinados a adaptar o corpo às novas necessidades
The New York Times
Pecuarista sueco inspeciona gado em curral: ao contrário do resto da população do mundo, os europeus do Norte mantém, na idade adulta, alta produção de enzimas necessárias para digerir a lactose |
Assim como em qualquer outra
espécie, as populações humanas são moldadas pelas forças de seleção natural,
tais como fome, doença e clima. Uma nova força está entrando em foco atualmente
e resulta em uma surpreendente implicação – durante os últimos 20 mil anos,
os seres humanos vêm, inadvertidamente moldando sua própria evolução.
Esta força é a cultura humana,
amplamente definida como qualquer comportamento aprendido, incluindo a
tecnologia. Evidências desta atividade são ainda mais surpreendentes visto
que a cultura, por muito tempo, parecia desempenhar o papel oposto. Os biólogos
a consideravam como um escudo que protegia as pessoas contra a força de
outras pressões seletivas, porque roupas e abrigo reduzem o efeito do frio e a
agricultura ajuda a produzir excedentes que eliminam a fome.
Devido a esta ação retardadora,
pensava-se que a cultura tivesse diminuído ou até mesmo travado o ritmo de
evolução humana, em um passado distante. Muitos biólogos agora encaram o
papel da cultura sob uma luz diferente.
Apesar de não proteger as pessoas
contra outras forças, a cultura em si parece representar uma poderosa força de
seleção natural. As pessoas se adaptam geneticamente a mudanças culturais
sustentadas, assim como fazem com novas dietas. E esta interação funciona mais
rápido do que outras forças seletivas, “levando alguns dos estudiosos a
argumentar que a coevolução genético-cultural possa ser o modo dominante da
evolução humana”, conforme escreveram Kevin Laland e seus colegas em um estudo
publicado na edição de fevereiro da Nature Reviews Genetics. Laland é biólogo
evolutivo na Universidade de St. Andrews, na Escócia.
A ideia de que genes e cultura
coevoluem já existe há algumas décadas, mas só começou a convencer outras
pessoas recentemente. Dois de seus principais proponentes, Robert Boyd, da
Universidade da Califórnia em Los Angeles, e Peter Richerson, da Universidade
da Califórnia em Davis, insistem há anos que os genes e a cultura se aliaram para
moldar a evolução humana.
“Não é como se tivéssemos sido
desprezados; apenas um pouco ignorados”, comentou Boyd. Mas, nos últimos anos,
as referências de outros cientistas aos seus trabalhos “aumentaram
imensamente”, afirma.
Via láctea
Os melhores indícios disponíveis
para Boyd e Richerson de que a cultura age como força seletiva foi a tolerância
à lactose existente em muitos europeus das regiões mais ao Norte. A maioria
das pessoas desativa o gene que digere a lactose presente no leite assim que
deixam de mamar, mas nos europeus do Norte – descendentes de uma antiga cultura
na qual a criação de gado era importante, que emergiu na região há seis mil
anos – esse gene continua ativo na vida adulta.
A tolerância à lactose é agora
reconhecida amplamente como caso no qual uma prática cultural – beber leite cru
– causou uma mudança evolutiva no genoma humano. Muito possivelmente, a
nutrição adicional oferecida por essa prática era tão vantajosa que adultos
capazes de digerir leite deixavam mais descendentes, o que levou essa mudança
genética a predominar em toda uma população.
Este exemplo de interação genético-cultural
está longe de ser único. Nos últimos anos, os biólogos puderam analisar todo o
genoma humano em busca de vestígios de genes que estivessem sofrendo seleção.
Esses vestígios surgem quando uma versão de um gene se torna mais comum do
que outras versões porque seus portadores deixam mais descendentes
sobreviventes. A partir dos vestígios dos estudos percebe-se que até 10% do
genoma – ou cerca de 2 mil genes – mostravam sinais de pressão seletiva.
Muitos dos genes em seleção
parecem estar reagindo às pressões convencionais. Os genes que causam a pele
mais pálida comum nos europeus e asiáticos, por exemplo, são provavelmente
uma resposta à geografia e clima.
Fisgar pela boca
Muitos dos genes de sabor e
cheiro demonstram sinais de pressão seletiva, talvez como reflexo na mudança de
hábitos alimentares quando as pessoas trocaram a existência nômade pela
sedentária. Outro grupo que sofre pressão é o de genes que afetam o crescimento
ósseo. Eles podem refletir o declínio do peso do esqueleto humano que parece
ter surgido em decorrência da transição para a vida estática, o que começou há
cerca de 15 mil anos.
Apesar dos estudos de genoma
certamente sugerirem que muitos genes humanos foram moldados por forças
culturais, os testes de seleção são puramente estatísticos, e se baseiam no
fato de um gene ter-se tornado mais comum. Para determinar que um gene foi, de
fato, submetido a seleção, os biólogos precisam realizar outros testes, como
comparar formas selecionadas e não selecionadas do gene e determinar de que
maneira elas diferem.
Com os seres humanos arcaicos, a
cultura mudava muito devagar. O estilo de ferramentas de pedra conhecido como
olduvaiense surgiu há 2,5 milhões de anos e não sofreu mudanças por um milhão
de anos. As ferramentas de pedra acheulenses que o sucederam duraram 1,5 milhão
de anos. Todavia, entre os seres humanos com comportamento moderno, os dos
últimos 50 mil anos, o tempo de mudança cultural se provou muito mais
dinâmico. Isto cria a possibilidade de que a evolução humana venha se
acelerando nos últimos anos como resultado do impacto de rápidas mudanças
culturais.
Alguns biólogos acreditam que
isso seja uma possibilidade, embora ainda sem provas. Os estudos de genoma que
testam seleção apresentam severas limitações.
Eles não são capazes de ver os
traços de seleções passadas, que são eliminados por novas mutações, de modo
que não existe uma linha pela qual julgar se seleção natural recente vem sendo
mais rápida do que no passado. Existe também a probabilidade de encontrarmos
falsos positivos entre os genes que aparentemente foram favorecidos.
Entretanto, os estudos também
enfrentam dificuldade para identificar genes de seleção fraca, de forma que
podem estar captando apenas uma pequena fração do estresse recente no genoma.
Modelos matemáticos da interação entre genes e cultura sugerem que essa forma
de seleção natural pode ser especialmente rápida.
A cultura se tornou uma força de
seleção natural, e caso prove ser uma das maiores, então a evolução humana
pode estar se acelerando, à medida que as pessoas se adaptam a pressões que
elas mesmas criaram.
Reportagem do link abaixo:
Comentários
Postar um comentário