Macacos me Mordam
Chimpanzé deve ganhar direitos humanos |
Chimpanzés surpreendem na interação com os seres
humanos e devem ganhar direitos similares aos dos homens em breve.
Por Por Sheila Lobato
O casal Pedro e Vânia Maria Ynterian tinha acabado
de adotar Guga, um chimpanzé, que hoje tem 9 anos. Eles seguiam pela estrada
quando uma carreta jogou o carro para fora da pista. "Então, quando gritei
'Ai, meu Deus', o Guga, que ainda era um filhotinho, apertou a minha mão como
se estivesse me passando segurança", conta Vânia. "A partir daí, a
cada dia, me surpreendia mais com a inteligência dele. Toda manhã, ele ficava
me vendo fazer o café. O primeiro cafezinho, inclusive, era ele que tomava
comigo." São essas e outras histórias que levaram o casal a questionar até
que ponto Guga era apenas um mascote.
A convivência com o chimpanzé fez com que o casal
abraçasse a causa dos direitos dos grandes primatas. "Sempre que sabia que
um animal estava sendo maltratado, eu pensava em Guga e no que aconteceria se
fosse ele que estivesse nessa situação", lembra Pedro. Ele não agüentou e
começou a acolher as vítimas dos maus-tratos.
Hoje, o empresário investe grande parte do seu
dinheiro nos 23 alqueires do Criadouro Velho Jatobá e Santuário GAP, em
Sorocaba (SP). Passa pelo menos 12 horas por dia lá, cuidando dos chimpanzés.
Depois de Guga, vieram mais 47, além de dezenas de sagüis, gibões e outros.
Detalhe: Pedro sabe o nome de todos os seus chimpanzés, bem como a
personalidade de cada um.
Não por acaso, sua dedicação aos grandes primatas
foi recompensada e Pedro foi nomeado presidente do Projeto dos Grandes
Primatas, o GAP internacional do qual é filiado, tornando o Brasil a sede da
instituição. Criado pelo filósofo Peter Singer em 1994, o GAP é um movimento
ideológico em defesa dos direitos dos grandes primatas. Para quem não sabe,
existem cinco tipo deles: o homem, os chimpanzés, os gorilas, os orangotangos e
os bonobos (chimpanzés pigmeus).
Os grandes primatas reconhecem sua imagem em
espelhos e fotografias, mandam beijos, entram em depressão e apreciam um ombro
amigo. Por esses motivos é que os membros do Projeto
GAP defendem os seus direitos
Por Maíra Lie Chao
A princípio, o GAP não se preocupa com o resgate
dos animais. Os membros do Brasil, contudo, participam da movimentação
ideológica e recolhem aqueles animais que são maltratados e que não têm lar,
dando-lhes todo o suporte e conforto. "O Brasil é o país mais ativo e
atuante na defesa dos grandes primatas. É também o único que possui santuários
relacionados ao GAP", informa Pedro. Ao todo são quatro santuários
familiares que abrigam 74 chimpanzés.
Pedro afirma que a convivência com esses animais
faz qualquer um acreditar que eles são pessoas. O empresário também ressalta
que a cada dia aprende mais com os chimpanzés, além de sempre se surpreender
com a inteligência e a capacidade deles. "Outro dia, estava brincando de
casinha com o Guga. Peguei uma panela de brinquedo, coloquei gramas na água e
fiquei cozinhando. No dia seguinte, quando cheguei para cumprimentá-lo, ele já
tinha preparado a 'cozinha' e estava mexendo a sopa de folhas!", orgulha-
se a "mamãe" Vânia.
Nos santuários, os chimpanzés são acolhidos de
zoológicos e circos, onde geralmente são torturados. Em circos, eles têm seus
dentes arrancados, são castrados (para que não se tornem uma ameaça) e podem
até desenvolver outras deficiências. Hulk, por exemplo, foi vítima dessas
agressões. Quando o encontraram, ele estava cego devido a uma infecção nos
olhos. Por sorte, o antigo dono o vendeu a Pedro. Mais tarde, um oftalmologista
o operou para que recuperasse parte de sua visão.
Só 0,6% do DNA separa o homem dos primatas. É essa diferença que os impede de falar, ler e escrever. |
Há alguns anos, surgiram leis municipais que
proíbem a entrada de circos com animais nas cidades - São Paulo, Campinas (SP),
Rio de Janeiro e Curitiba são apenas algumas delas. Isso, somado à pressão de
ONGs e da própria população, fez com que os proprietários de circos quisessem
se desfazer dos animais. Então, negociavam os chimpanzés com os donos dos
santuários. Hoje, a relação de Pedro e os proprietários de circos está light.
No início, ele sofria ameaças de morte e até já foi vítima de um atentado. "Quando
comecei, em 2000, um chimpanzé custava em média de US$ 15 mil a US$ 20 mil.
Para um circo, era prejuízo vender sua fonte de renda", recorda.
Embora os chimpanzés sejam alvo de maus-tratos nos
circos, o empresário garante que é nos zoológicos que eles sofrem mais. Ora por
falta de companhia, ora pelo estresse de ficar exposto a desconhecidos.
"No circo, eles têm relação com uma pessoa, que chega a ser de amor,
carinho. No zoológico, é tudo impessoal. E eles sofrem o assédio do público
ignorante. Ficam de oito a nove horas expostos a pessoas que não conhecem. Daí
eles gritam, jogam coisas. Ficam num estresse tão grande que acabam
pirados", explica Pedro.
"Os chimpanzés são muito inteligentes.
Colocá-los nessas condições é como prender um homem em uma jaula",
argumenta o empresário. Todos os animais que foram diagnosticados com alto
índice de depressão ou loucura vieram de zôos. Ao chegarem, tomam remédios
homeopáticos, como Charles e Caco, que se automutilavam (se mordiam e
arrancavam os pêlos dos braços) para chamar a atenção. "Aqui tenho um
hospício para os chimpanzés que resgatei e que nunca mais voltarão a ser
normais. Consigo melhorar a qualidade de vida deles, mas sempre serão loucos. É
irreversível."
O que separa esses primatas de nós? Segundo a genética,
apenas 0,6% do DNA. Essa pequena diferença os impede de falar, ler e escrever.
Bom, eles podem até não pronunciar palavras como eu ou você, mas compreendem o
que conversamos. Quando a veterinária Camila Gentile se aproximou de Vítor
mostrando a sua face ferida e dizendo "Olha, me machuquei", o
chimpanzé quis acariciar o rosto dela. Porém, por não ter controle de força,
poderia machucar, sem querer, a médica. "Não, Vítor, ainda está doendo.
Não mexe", advertiu. Ele se aproximou perto de uma bochecha arranhada de
Camila e lhe deu um beijo.
"Eles nos compreendem muito bem. Há vezes em
que chego perto das grades com uma garrafa de refrigerante.
Então, falo sozinha - pensando alto - 'não encontro
copo por aqui'. Logo um deles já traz um copo", diz Vânia.
E tem mais: esses animais são tão inteligentes que
reconhecem a si mesmos e outros primatas em espelhos e fotografias. Billy,
outro chimpanzé do santuário, sentou-se em uma mesinha perto da grade e pediu
para ver as fotos que a nossa fotógrafa tirou. Karime as mostrou na própria
máquina e Billy só faltou dar piruetas de alegria. Para agradecê-la, deu-lhe um
beijo estralado na bochecha.
Devido a esses comportamentos humanos, Selma
Mandruca, presidente do GAP Brasil e proprietária de um santuário em Vargem
Grande Paulista (SP), defende os chimpanzés juridicamente com uma denominação
diferente: seres humanizados. Ela justifica que eles não são animais
domesticados, como um cão ou um gato, tampouco podem ser chamados de homens. Em
nome do GAP, Selma está assessorando o caso do habeas-corpus de duas
chimpanzés, Megh e Debby, de 3 e 4 anos, respectivamente.
Esse recurso jurídico foi usado pela primeira vez
para um primata em 2005. A chimpanzé Suíça, de 23 anos, entrou em crise após a
morte de seu companheiro no zoológico. Como os chimpanzés são seres sociais e
não conseguem viver sozinhos, Suíça começou a ter distúrbios mentais e recebeu
um habeas-corpus para sair do local e morar em um santuário junto a outros de
sua espécie. Infelizmente, ela faleceu um dia antes de ser liberada.
A história de Megh e Debby é diferente. Elas
nasceram no Zoológico Paraíso Perdido, em Fortaleza, fechado pelo Ibama em
2006. As bebês foram doadas a Rubens Forte, que as levou para Ubatuba, no
litoral norte de São Paulo. Mas o Ibama alegou que a documentação do transporte
estava irregular e que não tinha aprovado o santuário. Forte, então, transferiu
o santuário para Ibiúna, que foi aprovado pela instituição. A partir daí, a
propriedade tem sido alvo de processos.
Para não perder a guarda das chimpanzés, Rubens
entrou com um pedido de habeas-corpus em um Tribunal Regional de Justiça, que
foi negado. Para piorar, uma desembargadora ordenou a reintegração das
chimpanzés na natureza - o que é uma sentença de morte para elas. Primeiro, porque
o hábitat dos chimpanzés é a África. Segundo, porque elas nasceram em cativeiro
e não sobreviveriam na floresta. Diante desse impasse, Rubens entrou com um
pedido de habeas-corpus no Superior Tribunal de Justiça. Nesse processo, um dos
ministros se prontificou a analisar melhor a situação.
Segundo o GAP, esse fato abre a discussão dos
direitos dos grandes primatas. Como o habeas-corpus é um recurso dado a
humanos, se ele for concedido, o executivo responsável estará reconhecendo que
os chimpanzés são seres humanizados. Com isso, ficarão proibidos a tortura, o
aprisionamento, o uso comercial e as experiências em que eles são usados como
cobaia. "Esse é o maior objetivo do GAP, pois, como seres humanizados, os
chimpanzés têm direitos que não estão sendo respeitados", diz Selma.
"Depois disso, teremos uma argumentação legal sempre que virmos alguma
injustiça aplicada a um deles." A definição do caso está prevista para o
início do ano.
Acima, o empresário Pedro Ynterian, presidente do
GAP, brinca com um dos chimpanzés do santuário. Na foto acima, a veterinária e
criadora Camila Gentile.
Pedro Ynterian antecipa que na Justiça existem
pessoas contra, a favor e em dúvida. "Geramos uma dúvida na cabeça de
muita gente e era exatamente isso o que queríamos. Temos um debate e dele vai
sair uma conclusão melhor do que a que temos hoje (que o animal não tem nenhum
direito)", afirma. "Hoje, é o chimpanzé que é praticamente humano.
Amanhã, vai ser o resto dos animais. Com o tempo, todos terão de ser respeitados."
DIFERENÇA É PEQUENA
A diferença entre o DNA dos homens e o do chimpanzé
é pequena. Mas nesses poucos genes está a diferença entre uma espécie dominante
e uma em via de extinção. Eles permitem que a nossa espécie fale; em outros
animais, porém, possibilitam apenas a emissão de sons, como grunhidos e gritos,
no caso daqueles que seriam nossos ancestrais.
Cientistas alemães descobriram no gene FOXP2,
presente em todos os mamíferos, uma particularidade que pode ter levado a uma
importante mutação, milhares de anos atrás. Ainda não se conhece direito a
função desse gene, mas, nos símios examinados (chimpanzés, gorilas e
orangotangos), a seqüência de aminoácidos é quase idêntica e as proteínas têm
estruturas equivalentes. No homem, porém, a mutação de duas únicas bases azotadas
(matéria-prima do gene) leva a uma proteína diferente, que poderia ter
inclusive uma função distinta da original.
Mais tarde, num estudo com um grupo de pessoas que
apresentavam defeitos nesse gene, os cientistas descobriram que elas tinham
problemas para dizer certas palavras - em geral, não conseguiam pronunciá-las
ou não fixavam a seqüência correta dos seus fonemas. Concluiu- se, então, que o
FOXP2 deve ser um gene envolvido na produção da palavra, em particular nos
delicados movimentos musculares necessários para falar. Não é o gene da
linguagem, pois esse processo é mais complexo do que pronunciar palavras, mas é
um gene associado importante que se formou nos últimos 200 mil anos, quando o
Homo sapiens começou a se espalhar pelo mundo.
Também os cientistas da Universidade de Detroit
(EUA) examinaram uma centena de genes de homens, chimpanzés e outros animais e
chegaram à conclusão de que os chimpanzés estão muito mais próximos ao homem,
do ponto de vista do DNA, do que os outros animais. Os genes estudados foram
somente aqueles que levam à produção de proteínas, chamados genes codificantes.
A "distância" genética entre os homens e os chimpanzés se revelou tão
pequena que ambos deveriam ser classificados na mesma espécie - algo como o Homo
macacus, se o latim assim permitisse. A regra nas classificações zoológicas é
que duas espécies com um ancestral comum a ambas devem partilhar o mesmo
gênero. E a tal distância genética é tão curta que somente pode ser explicada
pela existência de um ancestral comum.
Em outras palavras, se os chimpanzés são nossos
primos, então temos os mesmos avós em algum momento de nossa árvore zoológica.
Os cientistas consideram que esse momento se situa há cerca de 6 milhões de
anos. Por essa época, os homens e os chimpanzés se separaram dos gorilas. Antes
disso, homens, chimpanzés e gorilas se separaram dos orangotangos. Com os
gorilas, portanto, teríamos bisavós em comum e com os orangotangos, tataravós.
Mas como esses estão mais distantes, a vizinhança genética não nos obrigaria a
incluí-los no gênero Homo.
Enquanto gorilas são mal encarados e orangotangos,
bagunceiros, os chimpanzés são carinhosos, alegres e calmos. Chimpanzés gostam
de colo como nossos bebês, abraçam como se não vissem há anos os tratadores que
estiveram ontem com eles e gostam de aprender coisas novas. Um chimpanzé é
capaz de memorizar os desenhos expostos numa tela e associá-los às imagens que
os identificam. Flor, árvore, mesa - pode-se nomear qualquer figura da tela que
o chimpanzé, depois que aprende, aponta-a sem errar. Podem ser figuras
abstratas também, como círculos ou símbolos, como o triângulo dentro de um
círculo. Para confirmar, as figuras são trocadas de posição e o chimpanzé
continua acertando.
Não é tudo. No centro Great Ape Trust, em Iowa (EUA),
a doutora Sue Savage- Rumbaugh e sua equipe desenvolvem estudos com chimpanzés
bonobos - uma espécie de menor estatura, oriunda do Congo, na África. O centro
é uma escola onde os alunos são os bonobos, em vários níveis de aprendizado. As
salas de aula reproduzem seções de matas semelhantes às do Congo. Na área
externa há uma floresta parecida ao hábitat natural desses chimpanzés. Num
vídeo produzido nessa mata, um bonobo é levado por seu professor a um
piquenique.
Numa clareira, o professor pede que o primata
prepare o fogo no qual serão assados espetos com pedaços de queijo. Ele começa
a catar galhos e gravetos. Quebra os galhos maiores em dois, estalando-os nos
joelhos com a precisão de um homem. Faz um montinho com eles, juntando folhas
secas e o papel entregue pelo professor. Quando está tudo pronto, chega no
professor e remexe no bolso de sua calça até achar um isqueiro. Põe fogo no
papel, acendendo e apagando o isqueiro sucessivas vezes, para não queimar os
dedos. Logo os gravetos estão ardendo.
Quando o "fondue" está pronto, o
professor oferece um espeto ao animal, que o recusa por estar fumegante, mas em
seguida assopra o queijo para esfriá-lo antes de comer. Na hora de ir embora, o
bonobo pega um balde, enche-o de água e apaga o fogo, com o cuidado de não
deixar nenhuma brasa acesa. Depois, vai para um carro do tipo buggy, senta ao
volante, põe a marcha e some na mata, deixando o professor para trás. Em função
desses comportamentos, Sue afirma que as pessoas de uma comunidade remota das
florestas da Tanzânia não são nem melhores, nem piores que os bonobos do Great
Ape Trust. A única diferença é que esses primatas não sabem se defender e são
impiedosamente caçados na África. Sua carne é uma iguaria servida em
restaurantes da Europa e da Ásia. Por isso, estão em acelerado processo de
extinção.
Mas não são só as semelhanças entre os homens e os
chimpanzés que espantam. Os orangotangos de Sumatra, Bornéu e da Malásia também
são capazes demostrar que por pouco não são gente. Já foram identificados 24
exemplos de transmissão cultural entre eles. Uma de suas heranças culturais
mais espantosas é que, depois de comer, os orangotangos limpam a boca com as
folhas das árvores. Também as usam para beber água, fazendo uma concha com
elas. E sabem que, para amplificar o som, basta levá-las até a boca e gritar.
Fazem isso também com as mãos, colocando-as em forma de concha na frente da
boca, como nós quando queremos chamar alguém.
Orangotangos sabem usar instrumentos para comer e
beber. A fruta da neesia, uma árvore de grande porte do sudeste asiático, tem a
casca cheia de espinhos, mas o seu suco é irresistível. Para sugá-lo sem se
espetar, os orangotangos perfuram a fruta com um pauzinho e chupam o suco que
escorre por ele. Os orangotangos correm risco de ser extintos devido à
devastação das florestas da região. Como os chimpanzés e gorilas, não sabem
falar. Mas têm muita história para contar ao Homo sapiens.
No sentido horário, fotos de mães e filhotes de
bonobos, gorilas e orangotangos; à direita, dois filhotes de orangotango e
gorila de costas prateadas.
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