Entre Banhos, Cheiros e Atabaques - jornal Beira do Rio - Entrevista com o Prof. Flávio Barros - PPGA/UFPA
Entre Banhos, Cheiros e Atabaques - Jornal Beira do Rio, por Brenda Rachit/Dezembro de 2014 e
Janeiro de 2015. Foto: Alexandre Moraes
“Chega-te a mim”, “comigo ninguém pode”, “chama freguês”, “ganha aqui, ganha acolá”, “pega não me larga”, “faz querer quem não me quer”. Esses são alguns dos banhos que perfumam o mercado do Ver-o-Peso e atraem turistas e nativos com a promessa de trazer prosperidade, felicidade, saúde, amor e bons fluidos. Esses banhos e ervas também são comumente encontrados em outros mercados e nas feiras de Belém.
Embora o paraense disponha da biodiversidade
amazônica cotidianamente, as características genéticas e ecológicas dessa
diversidade biológica são pesquisadas com mais frequência do que seus
aspectos socioculturais, ou seja, a forma como o indivíduo se apropria e
utiliza esses recursos. Para melhor entender essa questão, o professor do
Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural da UFPA Flávio Bezerra
Barros desenvolveu o Projeto “Do Ver-o-Peso aos terreiros de candomblé: um
estudo sobre as dimensões sociais da biodiversidade em Belém do Pará”.
A proposta da pesquisa surgiu dentro do Grupo de
Estudos Interdisciplinares sobre Biodiversidade, Sociedade e Educação na
Amazônia (BIOSE). O projeto, sob a coordenação do professor Flávio
Barros, dedicou-se a estudar a dimensão da biodiversidade em dois
campos de pesquisa: nos mercados e nas feiras e também nos terreiros do
candomblé na Região Metropolitana de Belém.
A pesquisa é de cunho interdisciplinar,
dialogando com a Antropologia, Etnobiologia e Etnofotografia, “que
corresponde a um registro fotográfico em contexto com o campo teórico, no
sentido de dar visibilidade à etnografia escrita, trazendo uma dimensão que
aproxima o leitor da narrativa que está impressa ali no texto”, explica o
professor.
Segundo Flávio Barros, uma das pesquisas do projeto destacou mais de 180
espécies de plantas e animais com finalidades medicinais e mágico-religiosas
apenas no Mercado do Guamá. O professor explica que o caráter medicinal
desses produtos está ligado tanto ao tratamento físico quanto ao espiritual e
tem relação direta com a crença dos consumidores, em sua eficácia. Problemas
como desemprego, doenças físicas e da alma são algumas das razões que levam
as pessoas a procurar banhos e chás nas feiras e nos mercados.
Chá de tamaquaré deixa o marido
“manso”
A utilização dessas plantas e animais revela a
intimidade entre a população da região e a natureza. Como exemplo, temos o
uso do lagarto tamaquaré, em chás ou em pó, que geralmente é procurado por
mulheres que desejam “amansar” seus maridos, como brinca Dona Onete na música
“Feitiço Caboclo”: “O resultado fica tudo dominado, ele fica abestado,
abobalhado, bobão, pateta, patetão, pilotado, só faz o que você quer com o
chá do Tamaquaré”.
“Isso mostra que as pessoas observam, conhecem
essa biodiversidade e querem transferir para o lado humano aquela propriedade
que o animal possui. Partindo do princípio de que o tamaquaré é manso, o
companheiro também ficará manso como o lagarto”, explica Flávio Barros.
A pesquisa verificou que o universo religioso
também está estreitamente ligado ao uso da biodiversidade. Segundo o
pesquisador, as pessoas também se utilizam das propriedades naturais de forma
mágico-religiosa. “Elas atribuem valores e conceitos que fogem da nossa
capacidade de compreensão do que é natureza e do que é cultura”, acrescenta
Flávio Barros.
Assim, o projeto também é desenvolvido com base
em entrevistas e observações empreendidas em terreiros de candomblé.
Com a autorização do sacerdote do terreiro, a equipe faz os registros da
pesquisa. O perfil do público analisado é bastante diverso, são mulheres e
homens de idades e orientações sexuais diferentes, bem como de padrões
econômicos distintos.
“Temos feito entrevistas de cunho qualitativo e
abertas para dar voz ao interlocutor, para que ele narre a sua história e a
sua experiência, para que possamos capturar os elementos que consideramos
cruciais no entendimento desse fenômeno”, explica o pesquisador. O projeto
também utiliza a observação participante, para que os pesquisadores entrem em
contato com a dinâmica dos grupos analisados.
Sacrifício de animais também
foi analisado
Outra questão observada foi a dos animais
sacrificados em rituais de terreiros, pois há uma grande dissensão quanto a
isso. Flávio Barros chama atenção para a necessidade de esclarecer os
processos sociais envolvidos nessas dinâmicas. Uma das pesquisas revelou, a
partir da Etnografia, a beleza e os fundamentos da atividade ritualística
envolvendo animais. “Nós não pensamos que, ao comer peixe e carne de gado,
esses processos também implicam sacrifício do animal”, pondera o
professor.
O projeto está em andamento há dois anos e
constitui-se como um projeto “guarda-chuva”, como diz o pesquisador. A partir
do projeto principal, outras pesquisas são conduzidas, sendo estruturadas
para se desenvolver a longo prazo. Para o professor, os estudos têm
contribuído para melhor compreensão da biodiversidade a partir de um enfoque
mais antropológico.
“O projeto contribui para entender a
biodiversidade a partir da diversidade de apropriações que as pessoas
imprimem nessa relação com a natureza”, além do diálogo fomentado pela
Universidade com a sociedade. Isso contribui para diminuir os “pré-conceitos”
e a intolerância.
|
Comentários
Postar um comentário