Os Mutantes Somos Nós
Pesquisa de dez anos produzida por universidade francesa causa polêmica ao afirmar que o homem do futuro será mais alto, obeso e menos fértil.
Por Ricardo Arnt
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O biólogo francês Jean-François Bouvet está chamando a atenção internacional com um livro recém-lançado na França, pela editora Flammarion: Mutants: à quoi ressembleronsnous demain? (Mutantes: como seremos amanhã?, em tradução livre). Nele, o professor da Universidade Claude Bernard, em Lyon, após dez anos de pesquisa em neurobiologia, retoma a tese de que as modificações ambientais produzidas pelo homem, desde a Revolução Industrial, estão causando uma transformação inédita na espécie. “O homem provocou um Big Bang químico que agora age sobre ele. Está mudando numa velocidade que não tem mais nada a ver com a evolução darwiniana”, afirma.
Além da tendência demograficamente
comprovada de as novas gerações viverem mais tempo e serem
mais altas, Bouvet soma outras características menos
desejáveis. Segundo ele, estamos ficando mais velhos, altos, obesos,
inférteis e doentes. De acordo com a pesquisa, a altura dos franceses
aumentou quase cinco centímetros nos últimos 30 anos, mas, em compensação,
mais de 15% da população adulta se tornou obesa. Ao mesmo tempo,
atualmente uma entre quatro meninas afroamericanas entra na puberdade por
volta dos 7 anos. E, em meio século, a concentração de
espermatozoides diminuiu 40% nos homens de todo o planeta,
sendo acompanhada por uma diminuição das taxas de testosterona – o
hormônio da sexualidade masculina.
Tem mais. A prática global de
trabalhar horas diante de telas de computadores escalou a proporção
de míopes na população de uma maneira nunca vista. A flora
intestinal também vem se modificando devido à ingestão de
novos alimentos, nos tornando inaptos a assimilar os antigos, o
que gera inúmeras alergias. Outra estatística alarmante é o número de casos de
Alzheimer. Só na França a previsão é de que haverá 2 milhões de doentes até
2020.
Todas essas transformações somadas,
segundo Bouvet, tornam impossível sustentar a ideia de que o homem
moderno permanece sem mudança evolutiva desde o período
neolítico. Para o pesquisador, a seleção natural está sendo colonizada
pela seleção social gerada pela cultura e pela tecnologia, cujos
impactos retornam e alteram o ambiente e o homem. Seu estudo converge
para a investigação paralela conduzida por geólogos da Sociedade
Geológica de Londres, como o inglês Jan Zalasiewicz, que propuseram à
Comissão Internacional de Estratigrafia o reconhecimento de um novo
período geológico, o Antropoceno: a era das mudanças climáticas e dos
impactos humanos no planeta.
Pouco otimista, Bouvet acredita que
estamos diante de uma nova situação no plano evolutivo. O Homo sapiens
(Homem sábio) estaria virando Homo perturbatus (Homem perturbado).
“Estamos assistindo a um processo de novo tipo: o homem, agora, está sob a
influência de coisas que ele mesmo causou. Nesse sentido, não me parece
ilegítimo falar de “retroevolução”, porque se trata de uma evolução para
trás, um tipo de feedback. Esse fenômeno não tem feito outra coisa a não
ser se amplificar.”
Mutação Química
Para chegar à conclusão controversa, o
cientista francês identificou como vetores da retroevolução biológica uma
série de substâncias desenvolvidas pela indústria química utilizada na
fabricação de objetos do dia a dia moderno. São os casos, por exemplo, do
herbicida Atrazin, do pesticida DDT, do fungicida Vinclozolin, do
componente de policarbonato bisfenol A, dos compostos ftalatos e dos
conservantes parabenos. Segundo Bouvet, conservantes, estabilizantes,
pesticidas e antibióticos ingeridos na alimentação industrial urbana ou
absorvidos pelo contato com objetos de consumo geram a poluição
responsável por mudanças cumulativas que alteram o sistema endócrino e
hormonal humano.
Há tempo ainda para evitar o Big Bang
químico? Ou ele é inexorável? De saída, o biólogo adverte: “Não estou
propondo viver sem antibióticos, mas, simplesmente, utilizá-los com
sabedoria”. Preferir alimentos frescos a enlatados, evitar bebidas em
embalagens que tenham o símbolo “PC” (de policarbonato), reduzir o contato
com recipientes e brinquedos plásticos são providências que podem ser
adotadas. O exercício do consumo consciente também ajudaria.
Ao mesmo tempo que questiona
o futuro imprevisível da espécie, Bouvet também ironiza a medicina
contemporânea que, atenta a todos os males, oferece a possibilidade
de fabricar espermatozoides em laboratório a partir de células-tronco
(já bem-sucedidas com ratos) e, em breve, engendrar úteros
artificiais. “Dessa maneira teremos uma dissociação total
entre sexualidade e reprodução”, ressalta.
Segundo o neurobiologista, mesmo interconectada virtualmente
a humanidade continua a ser um grande corpo sem cabeça – “de certa forma
desprovida de inteligência coletiva”. Só uma tomada de
consciência global, que leve a medidas drásticas de âmbito
planetário, poderia limitar a intensidade da modificação química que
afeta o ambiente, diz o cientista. Mas mesmo que muitos indivíduos tenham
consciência dos perigos que engendramos, a chance de tudo continuar como está é
grande. Como já fez antes, o homem tentará se adaptar às adversidades do jeito
que conseguir, já que não há manual para a evolução. “Que pressões climáticas,
econômicas, sanitárias, demográficas, alimentares ou energéticas teremos que
encarar? A verdade é que não sabemos.”
Marcas humanas
Jean-François Bouvet afirma que
a poluição química afeta a todos
Populações não
industrializadas que mantêm hábitos alimentares tradicionais vivem as
mudanças indicadas na sua pesquisa?
Bouvet: Mesmo que existam regiões
menos poluídas do que outras, ninguém está totalmente ao abrigo,
porque respiramos a mesma atmosfera e os oceanos se comunicam. É por
intermédio da alimentação que se estabelece uma diferença: aqueles que
podem consumir bioalimentos orgânicos, que contêm pouco ou
nenhum pesticida, estarão menos submetidos aos efeitos dos produtos
químicos dos quais a agricultura intensiva abusa.
Como a comunidade científica reagiu ao
seu livro? O que pensaremos de suas ideias daqui a meio século?
Bouvet: Minha obra ainda é muito recente.
Em todo o caso, até o momento, não recebi nenhuma objeção grave. Seja
como for, os fatos estão aí. Quanto a saber o que pensarão de minhas
ideias daqui a meio século, repito o que sublinhava Mark Twain: “A
arte da profecia é extremamente difícil, sobretudo no que diz respeito ao
futuro”.
Há conexão entre o seu trabalho e o
dos geólogos que estudam o período antropoceno?
Bouvet: Totalmente. Trata-se do mesmo tipo
de aproximação. O fato marcante é que o planeta nunca carregou tantas
marcas da ação humana, para o bem e para o mal.
Texto/Entrevista no link: http://revistaplaneta.terra.com.br/secao/ciencia/os-mutantes-somos-nos
Texto/Entrevista no link: http://revistaplaneta.terra.com.br/secao/ciencia/os-mutantes-somos-nos
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