Conversa de Macacos: A Origem da Linguagem Humana
Por Maíra Lie Chao
Macaco-de-Campbelli |
Se um macho alfa de macaco-de-campbell
(Cercopithecus campbelli) gritar “bum”, você deve sair correndo, pois um galho está
prestes a cair. Mas se o “bum” for repetido e a mensagem ficar “bum-bum”, então
siga em direção ao macaco, pois você está muito longe e ele não consegue ver
que tipo de perigo você pode estar correndo. “Bum”, “crac”, “roc” e “uac” são
alguns dos sons emitidos pelos macacos-de-campbell, habitantes das florestas do
Parque Nacional de Tai, na Costa do Marfim (África), para se comunicar.
Essa “protossintaxe” da espécie foi descoberta por
um grupo de pesquisadores liderados por Klaus Zuberbühler, da Universidade de
St. Andrews, no Reino Unido. Ao todo, foram detectados seis tipos diferentes de
chamados, que são combinados em várias sequências de fonemas com prefixos e
sufixos, dependendo do contexto do alerta. Foi observada também a junção de
duas sequências de chamados para a formação de uma terceira. A maioria dessas
combinações de sons está associada a alguma ameaça, principalmente águias e
leopardos, grupos vizinhos e árvores ou galhos caindo.
Os cientistas afirmaram em artigo publicado em
dezembro de 2009 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences
(PNAS) que as sequências de alerta também dependem do grau de perigo:
“Observamos que o nível de urgência está associado à proporção de ‘cracs’ no
chamado. Sequências de ‘cracs’ foram um alerta à presença de leopardos
verdadeiros e modelos de leopardos. ‘Crac-uus’ foram mais usados em resposta ao
som desse predador”.
Outro ponto importante que consta no trabalho é a
ordem dos sons emitidos pelos primatas. “Em todos os casos (dos chamados de
alerta), os ‘bums’ eram precedidos por séries de ‘cra c-uus’”, escrevem os
autores. Isso pode ser considerado uma evidência de gramática primitiva. Ainda
assim, vale lembrar que essa linguagem foi a mais complexa já encontrada entre
animais não humanos. Evidentemente, ela é muitíssimo inferior à nossa, mas o
estudo com os macacos-de-campbell mostrou que os demais primatas podem ser
capazes de elaborar uma sequência lógica de chamados. Por enquanto, essa
espécie é a que possui um instinto de linguagem mais próximo ao do homem.
Acredita-se que o aprofundamento no estudo possa levar a um ancestral comum que
deu início ao instinto da linguagem e ao aperfeiçoamento para a linguagem
humana.
O grupo de Zuberbühler não foi o primeiro a estudar
a comunicação entre macacos. Com objetivos parecidos, em 1980, a bióloga
Dorothy Cheney e o psicólogo Robert Seyfarth, ambos da Universidade da
Pensilvânia, e Peter Marler, do Laboratório de Comunicação Animal da
Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, fizeram um estudo sobre os
chamados macacos-verdes (Cercopithecus aethiops), habitantes das savanas
africanas. Nessa pesquisa, foram identificados três chamados diferentes. O
primeiro alerta dizia respeito a um ataque vindo do céu, provavelmente de uma
águia; o segundo referia-se a alguma agressão vinda do solo, como uma cobra; e
o terceiro indicava que os macacos deviam se refugiar no alto das árvores por
causa da aproximação de um leopardo.
Dez anos mais tarde, o antropólogo brasileiro
Francisco Dyonisio Cardoso Mendes, da Universidade Católica de Goiás, realizou
um estudo com os macacos muriquis, ou monos-carvoeiros (Brachyteles
arachnoides), da Estação Biológica de Caratinga, em Minas Gerais. Ele observou
que os sons emitidos por esses animais eram bem complexos: alguns dos chamados
se formavam a partir da recombinação variada entre os 14 elementos sonoros
detectados na espécie.
A explicação encontrada para essa complexidade
fonética é o hábitat. Macacos de floresta utilizam mais a comunicação verbal
que a visual devido aos vários obstáculos presentes no ambiente. Muitos dos
sons gravados se assemelham a algumas consoantes vibrantes da linguagem humana.
Embora a tradução semântica dos alertas dos muriquis não tenha sido estudada a
fundo, Mendes detectou que alguns tipos de sons poderiam ser associados a
contextos como período fértil da fêmea, interação do grupo durante a procura de
comida e proximidade de grupos da mesma espécie.
Pequeno dicionário de Macaquês:
Cientistas descobriram que os macacos-de-campbell,
habitantes das florestas da Costa do Marfim, possuem uma das linguagens mais
complexas entre os animais. Veja o significado de algumas sequências de
chamados:
PRIMEIRO GRUPO – CONTEXTO NÃO PREDATÓRIO
Bum: Cuidado! Um galho caindo, fuja!
Bum-bum: Não estou vendo o grupo, cheguem mais
perto!
Bum-bum, crac-uu, crac-uu: Árvore caindo!
Bum-bum, roc-uu, crac-uu: Há outro grupo de macacos
perto de nós, atenção!; há um macho solitário próximo.
Crac-uu: Atenção! Movimentação de animais não
predadores.
SEGUNDO GRUPO – CONTEXTO PREDATÓRIO
Crac-uu: Alerta de predador!
Crac*: Leopardo à vista!
Crac, crac-uu: Ouço barulho de leopardos!
Roc-uu: Há um movimento suspeito lá em cima!
Roc*: Vejo um bando de águias lá em cima!
Uac-uu, crac-uu: Existem águias lá em cima!
* O número de “cracs” ou “rocs” no chamado indica a
urgência do alerta.
Para se comunicar melhor, os macacos-de-campbell
alteram os chamados de alerta adicionando prefixos e sufixos. A ordem dos sons
emitidos também muda o sentido da mensagem.
Uma pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa sobre
Primatas Yerkes, da Universidade de Emory, nos Estados Unidos, analisou o
comportamento de chimpanzés e bonobos antes e depois de alguns gestos. Depois
de 670 horas de gravação, os cientistas concluíram que muitos dos gestos
produzidos pelos animais tinham um significado diferente, dependendo do
contexto. Levantar uma pata, por exemplo, poderia ser interpretado como um
pedido de comida ou como uma vitória perante um oponente. Os cientistas
acreditam que essa dependência de um contexto pode fornecer uma base simbólica
para a linguagem humana. A pesquisa também sugere que esses gestos para pedir
comida, por exemplo, têm muitos milhões de anos, antes de a linha de evolução
nos separar dos demais grandes primatas.
Todos esses estudos que mostram algumas semelhanças
entre nós e os demais primatas contribuem para a teoria de que a linguagem faz
parte da natureza humana. A tese mais famosa sobre a linguagem ser instintiva e
característica da nossa raça foi proposta pelo linguista norteamericano Noam Chomsky,
no século 20. Ele se baseia em duas considerações fundamentais em relação à
linguagem humana.
A primeira delas refere-se à antiga suposição de
que o desenvolvimento da linguagem estava diretamente ligado às interações
sociais. Chomsky observou, no entanto, que cada frase enunciada e/ou escutada
por uma pessoa é uma combinação diferente de palavras que forma uma sequência
totalmente nova. Ele concluiu daí que a língua não é um repertório de respostas
e que nosso cérebro tem a capacidade de construir uma série de frases a partir
de uma quantidade muito grande de palavras. Chomsky chama essa capacidade de
“gramática mental”.
Outro fato que fundamenta sua teoria é que as
crianças desenvolvem nossas gramáticas complexas de modo muito rápido sem uma
instrução formal. À medida que crescem, elas são capazes de formular, à sua
maneira, frases que nunca haviam escutado antes. Portanto, suas formulações não
são meras imitações dos adultos. A partir dessas duas considerações, Chomsky
afirma que há uma “gramática universal”. É ela que permite às crianças extrair
os padrões sintáticos das falas dos pais.
Reportagem do link abaixo:
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