A Luta Contra o Racismo e as Fake News Sobre as Vacinas para a Covid-19


 O Massacre de Sharpeville

Fonte: https://efemeridesdoefemello.com/2015/03/21/o-massacre-de-sharpeville-na-africa-do-sul/


O mês de março marca mais um triste recorde para o Brasil em relação ao número de mortos e infectados pela Covid-19. Ao longo de toda a pandemia, a população negra, da cidade e do campo, tem sido desproporcionalmente afetada pelo SARS-CoV-2, sua taxa de mortalidade é, pelo menos, duas vezes maior que a da população em geral, configurando um verdadeiro massacre entre os grupos mais vulnerabilizados do país.

No dia 21 de março de 1960, na cidade de Johanesburgo, na África do Sul, cerca de 20 mil cidadãos negros, mobilizados pelo Congresso Pan Africano, protestavam pacificamente contra a chamada “Lei do Passe”, que os obrigava a portar cartões de identificação indicando os locais por onde podiam circular.

Pesadas penalidades eram aplicadas a quem não apresentasse o documento ou circulasse por áreas limitadas para brancos. Vigorava então o odioso regime racista do Apartheid, onde uma minoria branca dominava com mão de ferro a maioria negra do país. No bairro de Sharpeville, os manifestantes foram abordados por tropas militares. Segundo relatos da época, a força policial atirou contra a multidão matando 69 pessoas e ferindo outras 186.

Este evento ficou conhecido como o Massacre de Sharpeville. Em 1969, a Organização das Nações Unidas (ONU) em assembleia declarou a data como Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. O Brasil, como estado membro da ONU, promulgou no mesmo ano a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (DECRETO Nº 65.810, DE 8 DE DEZEMBRO DE 1969), que em seu artigo 1º diz o seguinte: “Nesta Convenção, a expressão “discriminação racial” significará qualquer distinção, exclusão restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano, ( em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública.”

Neste mês o Massacre de Sharpeville faz 60 anos, mas infelizmente ele continua a acontecer diariamente com a população negra brasileira e mundial, demonstrando a continuidade do cruel racismo estrutural. No Brasil, a maioria absoluta dos indicadores sociais, econômicos e epidemiológicos da população negra são piores do que os da população branca.

Todos os índices se agudizaram durante a pandemia do novo coronavírus, sendo que os das populações quilombolas são ainda piores do que os da população negra urbana. Atualmente, segundo dados da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) são mais de 5 mil casos e 221 óbitos de quilombolas registrados no país.

O Pará, segundo dados da Cordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu) e da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), são mais de 2 mil casos confirmados e 73 mortos até o dia 18 de março, o maior número de óbitos em quilombolas do país. A população negra depende mais do SUS, tem menos acesso a serviços de saúde, morre mais por Covid-19 e tem recebido menos vacinas que a população branca.

Assim, “diante do reconhecimento de uma série de omissões do Poder Executivo federal, especialmente neste contexto de pandemia, na implementação de preceitos fundamentais que asseguram o direito à saúde e à vida digna para os membros das comunidades quilombolas do país”, a CONAQ, em parceria com alguns partidos e organizações da sociedade civil, ajuizou em 2020 a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 742 junto ao Supremo Tribunal Federal.

Em 2021 a ADPF foi reconhecida e recebeu voto favorável da maioria do tribunal, representando um marco histórico para o movimento negro brasileiro por ser a primeira vez que o STF reconhece o direito de uma entidade social negra de ajuizar uma ADPF, por ter sido inteiramente planejada, escrita e assinada por advogadas e advogadas negras e quilombolas, e por reconhecer a existência do racismo institucional, reiterar a necessidade de o Estado garantir o respeito à diversidade, a promoção da igualdade racial e o direito à saúde e ao modo de vida dos quilombolas.

Em março deste ano houve a primeira reunião do Grupo de Trabalho Interdisciplinar (GTI-ADPF 742) para debater, aprovar e monitorar a execução do Plano Nacional para Enfrentamento da Pandemia de Covid-19 Direcionado à População Quilombola, conforme indicado pelo STF, tendo como participantes diversos órgãos federais, e representação da CONAQ e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Dentre as atribuições desse GTI estão as relacionadas à elaboração de um Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação que inclua os quilombolas.

No entanto, a implementação de qualquer plano de imunização para as populações quilombolas irá requerer um conjunto de medidas específicas que a maioria dos municípios sequer começo a planejar. 

Além dos aspectos logísticos, um dos principais desafios para a vacinação nas comunidades tradicionais do país é a disseminação de informações falsas, as chamadas fake News, que já têm dificultado a vacinação em diversas comunidades indígenas e ameaçam seriamente o processo de imunização nacional.

Atualmente há duas vacinas em uso no Brasil, a Covishield, produzida pela Oxford/Astrazeneca em parceria com a Fiocruz, e a CoronaVac, produzida pela Sinovac Biotech

e o Instituto Butantan. Ambas precisam de duas doses para atingir o máximo de sua eficácia. Para a Covishield o intervalo ideal entre a primeira e a segunda dose é de 90 dias e para a Coronavac esse intervalo é de 30 dias. Cerca de 450 milhões de pessoas já foram imunizadas no mundo, sendo mais de 13 milhões no Brasil, e até o momento as vacinas têm sido consideradas eficazes e seguras.

No entanto, entre as comunidades rurais, indígenas e quilombolas continuam a circular inverdades, que precisam ser esclarecidas, algumas delas são:

 

1- A vacina não tem eficácia: essa é uma informação tecnicamente incorreta uma vez que a eficácia de qualquer das vacinas aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil (ANVISA) é obrigatoriamente maior que 50%, isto é, para ser usada no SUS ela precisa proteger a pessoa muito mais do que quaisquer outras medidas individuais que possam ser tomadas pelos não vacinados.

A principal função delas agora é evitar que as pessoas desenvolvam a forma grave da doença, que acomete principalmente os idosos e leva a longos períodos de internação e à maioria das mortes. Nesse caso, todas as vacinas apresentam alto nível de eficácia. Ou seja, quem é imunizado tem uma chance muito pequena de precisar de hospital, UTI, intubação e de morrer caso venha a ser infectado pelo SARS-CoV-2.

2 – A vacina tem efeitos colaterais: embora as vacinas, e qualquer remédio, possam ter efeitos colaterais, como desconforto ou vermelhidão no local da injeção, dor de cabeça ou dor no corpo no dia seguinte, entre as centenas de milhões de pessoas já vacinadas, de centenas de etnias, em todos os continentes, não foram confirmadas reações graves ou mortes relacionadas ao uso em pessoas previamente saudáveis.

3- Vai mudar a minha genética: nenhuma vacina tem o poder de mudar qualquer parte do código genético dos seres humanos, ou de fazer a pessoa se transformar em outra coisa. Nossos genes são herdados de nossos pais e não podem ser alterado por vacinas.

4 – A vacina pode causar câncer e problemas de saúde: não há qualquer evidência científica de que as vacinas contra a Covid-19 causem doença e não há registro médico de qualquer vacina que cause câncer. As usadas agora no Brasil se mostraram seguras em todos os testes e se baseiam em fórmulas muito parecidas com as já usadas para diversas outras doenças, que são comumente aplicadas aqui em crianças e adultos há décadas, com enorme sucesso e redução da mortalidade entre crianças e adultos.

5 – A vacina é experimental: as vacinas em uso no SUS foram testadas em milhares de pessoas, inclusive profissionais de saúde, em várias partes do mundo, antes de serem aprovada pela Anvisa. Elas não são experimentais, os testes já realizados no Brasil e em outros países, demonstraram que elas são eficazes, seguras e evitam as formas graves da doença. Elas foram aprovadas para uso emergencial pelas agências de saúde mais exigentes do mundo para reduzir as milhares de mortes que se vê todo dia.

6 – A vacina está matando idosos: Quem está matando os idosos, e também um número crescente de jovens, é a Covid-19. As vacinas em uso no país demonstraram ser capazes de reduzir muito a mortalidade dos vacinados. Em Israel e outros países, após a vacinação, a morte de idosos já se reduziu drasticamente.

7 – Mulheres grávidas e que estejam amamentando não podem tomar a vacina: embora as vacinas nunca sejam testadas em grávidas e lactantes por motivos éticos, as duas em uso no país são feitas com vírus inativados (mortos), tecnologia amplamente usada em vacinas há muito tempo e que não demonstrou causar efeitos colaterais em mães ou seus bebês. O Ministério da Saúde recomenda que o uso seja feito de acordo com a análise do risco de a mãe contrair a Covid-19.

Entre as mães quilombolas e indígenas, como estas estão sob risco elevado de morte caso sejam infectadas, a prudência recomenda que sejam imunizadas se assim desejarem. A mãe vacinada deve continuar a amamentar normalmente. O leite materno é o melhor alimento para o bebê e irá também protegê-lo.

8 – É coisa do capeta: O Papa Francisco já declarou: “Eu acredito que eticamente todo mundo deveria tomar a vacina”. A vacina é fruto do conhecimento científico, que é uma dádiva de Deus para a humanidade. Ela está ao lado da fé, salva vidas, protege os idosos, que detém os conhecimentos tradicionais e unem as famílias.

Deus atirou o mal, Lúcifer, ao inferno junto com o anjo da morte. Vacinas são o contrário do mal e da morte pois promovem a solidariedade e a vida, logo, nada têm a ver com o demônio.

9 – O vírus foi criado na China e a China criou a vacina: tecnologia atual não consegue criar um vírus como esse em nenhum país. Milhares de pessoas morreram de Covid-19 na China e o governo de lá está usando vacinas para controlar a pandemia na sua população. Além disso, a maioria das vacinas e remédios que tomamos comumente, há décadas, vêm daquele país e ninguém se preocupava com isso até agora.

A China é o principal fornecedor de insumos de saúde para o Brasil, de máscaras e luvas a tratamentos para câncer, a Coronavac é só mais um. Outras vacinas vêm da Índia e virão ainda da Rússia, e muitas são fabricadas aqui mesmo no país, com componentes importados, pois não temos indústrias para fazê-los.

10 – A vacina vai injetar um chip para controlar você:  Dentre todas as notícias falsas circulando essa é a mais absurda. Como visto, atualmente, temos em uso duas vacinas, originadas em locais diferentes, a Coronavac, que é fabricada na China e no Brasil, e a da AstraZeneca, fabricada na Índia e no Brasil. Ao longo da campanha haverá utilização de diversas outras, como a Sputnik-V, feita na Rússia e no Brasil, e a do consórcio internacional Covax da Organização Mundial de Saúde.

Todas foram testadas em milhares de pessoas, de dezenas de países e etnias, antes de serem aprovadas pela Anvisa e passam por um rigoroso controle de qualidade ao chegar ao país. Ninguém sabe que vacina receberá, de qual fabricante ou de qual fábrica. As doses são distribuídas aleatoriamente para os municípios, de acordo com sua disponibilidade para o Brasil e todos, ricos ou pobres, urbanos ou rurais, de todos os grupos étnicos, recebem as mesmas vacinas.

 

Diga SIM à vacina quando chegar a sua vez. Ajude a evitar o massacre. A proteção de todos depende das ações de cada um.



Artigo originalmente publicado em: https://jornalroteirodenoticias.com.br/a-luta-contra-o-racismo-e-as-fake-news-sobre-as-vacinas-para-a-covid-19/

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