O mais antigo fóssil humano
E
a nossa história obteve mais um capítulo interessante. Ontem diversos veículos
de informação divulgaram os resultados de dois artigos publicados na
revista Nature, os quais tratam sobre os achados em Jebel
Irhoud, no oeste do Marrocos. Os artigos demonstram que a nossa espécie Homo
sapiens já existia há 300 - 350 mil anos atrás, ampliando o tempo de
nossa espécie e nossa história.
Abaixo
seguem uma reportagem do Fábio de Castro, do jornal O Estado de São Paulo
e os links para os dois artigos publicados na revista Nature.
Encontrado no Marrocos, o mais antigo
fóssil humano tem 300 mil anos
Com novos métodos, cientistas fizeram datação mais precisa de
pelo menos cinco esqueletos de Homo sapiens; descoberta antecipa início da
história da espécie em pelo menos 100 mil anos.
Um grupo internacional de cientistas descobriu
no Marrocos pelo menos cinco fósseis humanos de pelo menos 300 mil anos,
cercados de ferramentas de pedra e restos de animais. A descoberta, revelada em
dois artigos publicados na edição de hoje da revista Nature,
antecipa em pelo menos 100 mil anos a mais antiga evidência fóssil já
registrada da espécie Homo sapiens.
De acordo com os autores dos estudos, a
descoberta revela que a espécie humana tem uma história evolutiva muito mais complexa
do que se imaginava, envolvendo provavelmente todo o continente africano. O
fóssil humano mais antigo encontrado já registrado até agora tinha 195 mil anos
e havia sido desenterrado no leste da África, em Omo Kibish, na Etiópia.
"Acreditávamos que o berço da humanidade havia sido o leste da África, há 200 mil anos, mas nossos novos dados revelam que o Homo sapiens já havia se espalhado por todo o continente africano há cerca de 300 mil anos", disse o autor principal da pesquisa, o paleoantropólogo Jean-Jacques Hublin, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig (Alemanha).
"Acreditávamos que o berço da humanidade havia sido o leste da África, há 200 mil anos, mas nossos novos dados revelam que o Homo sapiens já havia se espalhado por todo o continente africano há cerca de 300 mil anos", disse o autor principal da pesquisa, o paleoantropólogo Jean-Jacques Hublin, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig (Alemanha).
A descoberta foi feita em Jebel Irhoud, no oeste
do Marrocos. Desde a década de 1960 haviam sido encontrados seis fósseis
humanos e diversos artefatos da Idade da Pedra no local, mas a idade dos
fósseis era até permanecia incerta.
Um novo projeto de escavação em Jebel Irhoud,
iniciado em 2004, revelou 16 novos fósseis de Homo sapiens,
envolvendo crânios, dentes e ossos longos de pelo menos cinco indivíduos. As
escavações foram lideradas por Hublin e por Abdelouahed Ben-Ncer, do
Instituto Nacional de Arqueologia e Patrimônio do Marrocos, sediado em
Rabat.
Os cientistas conseguiram precisar a cronologia
dos fósseis graças à tecnologia. Eles utilizaram um método de datação por
termoluminscência em pedras de sílex encontradas nos mesmos depósitos.
"Sítios bem datados dessa época são
excepcionalmente raros na África, mas nós tivemos sorte, já que vários dos
artefatos de sílex de Jebel Irhoud foram aquecidos no passado. Isso nos
permitiu aplicar os métodos de datação por termoluminescência nesses artefatos,
para estabelecer uma cronologia conssitente para os hovos fósseis e para as
camadas de solo que os cobriam", explicou o especialista em geocronologia
Daniel Richter, do Instituto Max Planck.
Além da datação por meio dos artefatos de pedra,
os cientistas conseguiram refazer o cálculo direto da idade de três mandíbulas
encontradas em Jebel Irhoud na década de 1960. Essas mandíbulas haviam sido
anteriormente datadas em 160 mil anos, com um método por ressonância
paramagnética eletrônica.
No novo estudo, porém, os cientistas aprimoraram
o método e recalcularam a idade dos fósseis, encontrando um resultado coerente
com as datações por termoluminescência: eles tinham quase o dobro da idade
estimada inicialmente. "Utilizamos métodos de datação de última geração e
adotamos as abordagens mais conservadoras para determinar a idade com
precisão", disse Richter.
Participaram do estudo cientistas do Instituto
Max Planck de Antropologia Evolutiva (Alemanha), do Instituto Nacional de
Arqueologia e Patrimônio de Rabat (Marrocos), do Collège de France, em Paris
(França), das universidades de Nova York, de Califórnia Davis (Estados Unidos),
de Bolonha (Itália), de Tuebingen (Alemanha), de Canberra, de Griffith, de
Southern Cross (Austrália) e da Sorbonne (França).
Cardápio. Além de revelarem que o Homo
sapiens é 100 mil anos mais antigo do que se pensava, os novos estudos
revelaram também o cardápio dos humanos há 300 mil anos: muita carne de gazela,
alguma carne de gnu e de zebra, eventualmente ovos de avestruzes, além de
antílopes, búfalos, porcos-espinho, lebres, tartarugas, moluscos de água doce e
serpentes.
De acordo com a paleoantropóloga Teresa Steele,
da Universidade de Califórnia Davis, foram encontrados em Jebel Irhoud centenas
de ossos de animais fossilizados e as espécies de 472 deles foram
identificadas. Foram também observadas marcas de cortes nos ossos, indicando
que suas medulas haviam sido utilizadas como alimento por humanos.
"Realmente parece que essas pessoas
gostavam de caçar. A dispersão do Homo sapiens por toda a
África há 300 mil anos é provavelmente resultado de mudanças na biologia e no
comportamento da espécie", disse Teresa.
As ferramentas de pedra encontradas em Jebel
Irhoud eram feitas de sílex de alta qualidade, "importadas" para o
sítio, de acordo com o paleoantropólogo Shannon McPherron, do Instituto Max
Planck. Segundo ele, os machados, ferramentas frequentemente encontradas em
outros sítios antigos, não estavam presentes em Jebel Irhoud. Mas a maior parte
dos utensílios encontrados ali também existiram por toda a África na metade da
Idade da Pedra.
"Os artefatos de pedra de Jebel Irhoud
parecem muito semelhantes aos encontrados no leste e no sul da África. É
provável que as inovações tecnológicas da metade da Idade da Pedra estejam
ligadas ao surgimento do Homo sapiens", afirmou McPherron.
Arcaico e moderno. Segundo os cientistas, o
crânio dos humanos modernos é caracterizado por uma combinação de
características que os distinguem dos hominídeos de espécies aparentadas e
de ancestrais extintos, como, por exemplo, a caixa craniana globular
(arredondada), a face pequena, com osso nasal projetado, mandíbulas curtas,
testa alta e arcada supraciliar limitada.
Utilizando tecnologia de ponta em
micro-tomografias computadorizadas e análises estatísticas morfológicas com
base em centenas de medições 3D, os cientistas mostraram que os fósseis de
Jebel Irhoud apresentam rosto e dentes semelhantes aos do homem moderno. A
caixa craniana, porém, tem formato mais arcaico, mais alongado que o do homem
atual.
"O formato interno da caixa craniana
reflete o formato do cérebro. Nossa descoberta sugere que a morfologia do rosto
do humano moderno se estabeleceu muito cedo na história da nossa espécie,
enquanto o formato do cérebro - e provavelmente suas funções - evoluiu ao longo
das linhagens sucessivas de Homo sapiens", afirmou o
paleoantropólogo Philipp Gunz, do Instituto Max Planck.
Segundo os cientistas, comparações feitas
recentemente entre o DNA extraído de Neanderthais e de humanos modernos revelam
diferenças genéticas que afetam o cérebro e o sistema nervoso. As mudanças
evolutivas do formato da caixa craniana teriam, portanto, uma provável ligação
com uma série de transformações genéticas que afetaram a conectividade,
organização e desenvolvimento do cérebro, que distingue o Homo sapiens de
seus ancestrais e parentes extintos.
A morfologia e a idade dos fósseis de Jebel
Irhoud também corroboram, segundo os pesquisadores, a interpretação de que um
enigmático pedaço de crânio encontrado em Florisbad, na África do Sul,
pertenceria a um representante precoce da espécie Homo sapiens.
Nesse caso, já haveria fósseis muito antigos da espécie por todo o continente
africano: no Marrocos, com 300 mil anos, na África do Sul, com 260 mil anos e
na Etiópia, com 195 mil anos.
"O norte da África há muito tempo é
negligenciado nos debates sobre a origem da nossa espécie. As descobertas
espetaculares de Jebel Irhoud demonstram estreitas conexões entre o Magreb e o
resto da África na época em que emergiu o Homo sapiens", disse
Ben-Ncer.
Traços sobrepostos. Em um comentário aos
dois artigos, publicado na mesma edição da Nature, os
paleoantropólogos Chris Stringer e Julia Galway-Witham, do Museu de
História Natural de Londres (Reino Unido) afirmam que a descoberta no Marrocos
"poderá iluminar a evolução da nossa espécie de uma maneira equivalente à
que o fóssil de Neanderthal encontrado em Sima de los Uesos, na Espanha,
fizeram com o nosso conhecimento sobre o desenvolvimento dos
Neanderthais".
Segundo eles, as análises de DNA sugerem que a
linhagem dos humanos modernos se diferenciou dos parentes mais próximos - os
Neanderthais e os Denisovans - há mais de 500 mil anos, portanto muito
antes do primeiro espécime reconhecível de Homo sapiens. "Isso
pode significar que existiram membros mais recentes da linhagem Homo
sapiens que tinham características preponderantemente arcaicas, em vez
dos traços modernos. Até agora, tem sido difícil identificar esses
fósseis", escreveram.
De acordo com Stringer e Julia, os autores dos
novos estudos sugerem que uma separação clara entre fases da evolução do Homo
sapiens - como as que descrevem os fósseis como "arcaicos" e
"anatomicamente modernos" - provavelmente deixarão de existir à
medida que o registro de fósseis aumenta. "Eles provavelmente estão
certos, embora as evidências que encontraram adicionem a esse quadro uma
sobreposição de formas que pareciam mais arcaicas ou mais modernas",
disseram.
Mais uma pista dessa sobreposição de
características "arcaicas" e "modernas", segundo eles, é a
descoberta - reportada pelo Estado no dia 9 de maio - de que um espécime
do primitivo Homo naledi, encontrado na África do Sul, tinha apenas 300 mil
anos e não 2,5 milhões de anos, como se pensava. "Talvez mais estudos de
datação possam esclarecer a extensão dessa sobreposição e os processos que
podem ter levado à evolução dos humanos modernos", escreveram.
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