Evolução Humana e Atividade Física. Ai, que preguiça!
Drauzio Varella
O
corpo humano é uma máquina desenhada para o movimento.
É
dotado de dobradiças, músculos que formam alavancas capazes de deslocar o
esqueleto em qualquer direção, ossos resistentes, ligamentos elásticos que
amortecem choques, e sistemas de alta complexidade para mobilizar energia,
consumir oxigênio e manter a temperatura interna constante.
Em
seis milhões de anos, a seleção natural se encarregou de eliminar os portadores
de características genéticas que dificultavam a movimentação necessária para ir
atrás de alimentos, construir abrigos e fugir de predadores.
Se
o corpo humano fosse projetado para os usos de hoje, para que pernas tão
compridas e braços tão longos? Se é só para ir de um assento a outro, elas
poderiam ter metade do comprimento. Se os braços servem apenas para alcançar o
teclado do computador, para que antebraços? Seríamos anões de membros
atrofiados, mas com um traseiro enorme, acolchoado, para nos dar conforto nas
cadeiras.
A
possibilidade de ganharmos a vida sem andar é aquisição dos últimos cinquenta
anos. A disponibilidade de alimentos de qualidade acessíveis a grandes massas
populacionais, mais recente ainda. A mesa farta e as comodidades em que viviam
os nobres da antiguidade estão ao alcance da classe média, em condições de
higiene bem superiores.
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Antes e atualmente... |
Para
quem já morou em cavernas, a adaptação a um meio com vacinas, saneamento
básico, antibióticos, alimentação rica em nutrientes e tecnologia para fazer
chegar a nossas mãos tudo o que necessitamos, foi imediata. Em boa parte dos
países a expectativa de vida atingiu 70 anos, privilégio de poucos no tempo de
nossos avós.
Os
efeitos adversos desse estilo de vida, no entanto, não demoraram para surgir:
sedentarismo, obesidade, e seu cortejo nefasto: complicações cardiovasculares,
diabetes, câncer, degenerações neurológicas, doenças reumáticas e muitas
outras.
Se
todos reconhecem que a atividade física faz bem para o organismo, por que
ninguém se exercita com regularidade?
Por
uma razão simples: descontadas as brincadeiras da infância, fase de
aprendizado, nenhum animal desperdiça energia. Só o fazem atrás de alimento,
sexo ou para escapar de predadores. Satisfeitas as três necessidades,
permanecem em repouso até que uma delas volte a ser premente.
Vá
ao zoológico. Você verá uma onça dando um pique para manter a forma? Um
chimpanzé – com quem compartilhamos 99% de nossos genes – correndo para perder
a barriga?
É
tão difícil abandonar a vida sedentária, porque malbaratar energia vai contra a
natureza humana. Os planos para andar, correr ou ir à academia naufragam no dia
seguinte sob o peso dos seis milhões de anos de evolução, que desaba sobre
nossos ombros.
Quando
você ouvir alguém dizendo que pula da cama louco de disposição para o
exercício, pode ter certeza: é mentira. Essa vontade pode nos visitar num sítio
ou na praia com os amigos, na rotina diária jamais.
Digo
por experiência própria. Há 20 anos corro maratonas, provas de 42 quilômetros
que me obrigam a levantar às cinco e meia para treinar. Tenho tanta confiança
na integridade de meu caráter, que fiz um trato comigo mesmo: ao acordar, só
posso desistir de correr depois de vestir calção, camiseta e calçar o tênis.
Se
me permitir tomar essa decisão deitado na cama, cada manhã terei uma desculpa.
Não há limite para as justificativas que a preguiça é capaz inventar nessa
hora.
Ao
contrário do que os treinadores preconizam, não faço alongamento antes, já saio
correndo, única maneira de resistir ao ímpeto de voltar para a cama. O primeiro
quilômetro é dominado por um pensamento recorrente: "não há o que
justifique um homem passar pelo que estou passando".
Vencido
esse martírio inicial, a corrida se torna suportável. Boa mesmo, só fica quando
acaba. Nessa hora, a circulação inundada de endorfinas traz uma sensação de paz
celestial, um barato igual ao de drogas que nunca experimentei.
Por
isso, caro leitor, se você está à espera da chegada da disposição física para
sair da vagabundagem em 2017, tire o cavalo da chuva: ela não virá. Praticar
exercícios com regularidade exige disciplina militar, a mesma que você tem na hora
de ir para o trabalho.
Ai,
que preguiça!
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