Nosso presente em Evolução
Scientific American Brazil,
Setembro de 2013
As alterações no ambiente provocadas pelo homem estão
|
acelerando a mudança de muitos ecossistemas
Os sapos-cururus saltam à noite. Eu
os ouço batendo à minha porta ao julgarem erroneamente onde termina meu quarto
de hotel e onde começa a floresta. A força com que um sapo grande bate na
madeira é impressionante. Mas a força com que os sapos, que são nativos da
América Central, atingiram a Austrália é ainda maior. Levados para Queensland
em 1935 para combater os besouros que infestavam as plantações de
cana-de-açúcar, os sapos se espalharam a partir de seu ponto de entrada como as
ondas de choque de uma bomba, com suas pernas enverrugadas e suas línguas
supercrescidas lançadas para cada buraquinho possível em um nicho ecológico.
Uma pesquisa recente de Ben Phillips e seus colaboradores da University of
Sydney demonstrou que os sapos estão evoluindo à medida que se espalham,
aperfeiçoando sua capacidade de adaptação à paisagem australiana. Os sapos à
frente da invasão agora têm corpo menor, toxicidade reduzida e pernas
relativamente maiores, aparentemente porque os indivíduos com esses traços têm
obtido maior sucesso. A fauna nativa evoluiu em resposta aos sapos: a boca de
algumas espécies de cobras está diminuindo, por exemplo, porque muitas das
cobras com boca grande estavam comendo os venenosos sapos-cururus e morrendo.
Esses exemplos estão mudando a visão que os cientistas têm da velocidade da
evolução. Há muito, esse processo tem sido considerado lento, ou até dormente.
Porém, cada vez mais os pesquisadores têm observado a evolução em ação. Você
deve conhecer alguns exemplos de evolução de bactérias resistentes a
medicamentos, ou de pestes agrícolas. Microorganismos e pestes podem mudar mais
rapidamente, mas não são os únicos.
Mais freqüentemente, presenciamos uma
evolução rápida quando alguma força (muitas vezes, nós mesmos) dá um empurrão
inicial, alterando súbita e dramaticamente o ambiente de um organismo. Os ratos
desenvolveram corpo menor ao serem introduzidos em ilhas. Os peixes mais pescados
também adotaram tamanhos corporais menores em resposta à preferência dos
pescadores por peixes grandes (que, quando mortos, não se reproduzem). As
mayflies (um tipo de inseto aquático), em cursos d’água onde trutas foram
soltas, agora têm hábitos noturnos para evitar os predadores que nadam
velozmente. Muitas centenas de espécies de herbívoros mudaram para novas e às
vezes tóxicas fontes de alimento introduzidas por humanos e se especializaram
em consumi-las. Várias espécies nativas evoluíram em resposta a concorrentes
recém-chegados. Cedros começaram a produzir toxinas para evitar serem comidos
por veados que andam por seus habitats que costumavam ser benignos. Mexilhões
na Nova Inglaterra evoluíram na habilidade de detectar caranguejos verdes
invasores e produzir conchas mais espessas quando esses crustáceos estão
presentes.
A maioria dessas mudanças parece fruto de seleção natural: os organismos que
aleatoriamente adquiriram algum traço genético que os ajudou a se desenvolver
face a novas fontes de stress foram favorecidos e, subseqüentemente, se
reproduziram de forma bem-sucedida e transmitiram a característica para as
gerações futuras. Mas as mudanças evolutivas que presenciamos podem
simplesmente ser o resultado de uma deriva genética (mudanças genéticas
aleatórias que se acumulam com o tempo).
Quanto mais olhamos, mais podemos observar as mudanças evolutivas que são
rápidas o suficiente para serem vistas no curso de um único estudo. Um
estudante de doutorado pode, nos cerca de cinco anos de um projeto de tese, ver
de perto o desenvolvimento de uma nova espécie, seja em tempo real ou
utilizando ferramentas genéticas para reconstruir sua história evolutiva.
Quando os ratos e camundongos domésticos se espalharam pelo mundo junto
conosco, se especializaram em formas mais bem adaptadas às diferentes regiões
que habitam. No nordeste dos Estados Unidos, uma espécie de mosca evoluiu para
se alimentar de um arbusto introduzido na América do Norte há menos de 250
anos. Embora a nova mosca seja um híbrido de duas espécies, ela pode acasalar
com qualquer uma delas e manter sua própria população viável.
As pessoas tendem a imaginar a evolução como uma força que age apenas sobre
criaturas há muito extintas, como os dinossauros, mas as lâminas afiadas da
seleção natural e os empurrões aleatórios da deriva genética estão em ação
ainda hoje. Vemos um carvalho vermelho no quintal ou um sapo-cururu na porta do
nosso quarto de hotel, mas os nomes nos enganam. Essas espécies não serão as
mesmas neste ano e no próximo. Embora a evolução que observamos em tempo real
não vá subitamente fazer aparecer animais fantásticos como dinossauros, ela
ainda é um processo que deve ser avaliado. Dê a seleção natural para alguns
indivíduos de uma espécie, e ela irá funcionar do mesmo modo em uma lagoa de
chorume ou no Parque Nacional de Yellowstone. A natureza abomina o vácuo, mas
quase todo o resto serve.
* Biólogo e escritor no Departamento de Biologia da North
Carolina State University
Reportagem do link: http://www2.uol.com.br/sciam/artigos/nosso_presente_em_evolucao.html
Comentários
Postar um comentário